29 abril 2007

Quem é(s)?






















Problema hereditário de ralhar com quem está triste.
Mas não devias estar triste, estás ouvir? Não quero que estejas triste.

Ante o frio
faz com o coração
o contrário do que fazes com o corpo:
despe-o.
Quando mais nu,
mais ele encontrará
o único agasalho possível
- um outro coração.

conselho do avô
(in chuva pasmada de Mia Couto)
(foto de Willy Ronis)


Olha (!)... afinal somos vários :)
E, ainda assim, ralho!

25 abril 2007

Tarde

e uma cara sardenta encheu-me o olhar...
penso sempre... quem mais se lembraria de escrever "uma cara sardenta" numa música?! fico contente da lembrança.
e hoje, agora mesmo, pensei... será que quem lá vem terá também uma cara sardenta?
6 colos as têm.



"essa miúda" e "dá-me lume" ficaram também na memória desta tarde.



(peço desculpa pela versão roufenha e desafinada da música)

23 abril 2007

Janela



hoje assim.
que não se fale muito. nem muita luz, nem perguntas.
hoje. bem. mas tempo calmo.



Ontem

depois de não dormir o suficiente e rir por demais um fim-de-semana inteiro.
uma viagem com um carro pesado.
tinha de dar para a maluqueira!
bem alto!

16 abril 2007

O grande silêncio















Absolutamente calmo.
Absolutamente belo.
Um filme que gostava tanto de saber filmar.
Todos os tempos. Os tempos diferentes dentro dos momentos iguais, dos espaços iguais.
Um tempo que não entendo mas consigo admirar. Honestamente.
Honesto.
Os panos crus, a madeira gasta, o silêncio.
A neve e o sol. A água. O silêncio
A paz.
As janelas grandes e os armários bonitos. Sem cortinas, sem acessórios.
Sem acessório.
O silêncio.
Povoado.


um filme de Philip Gröning

13 abril 2007

porto














Enorme. Enorme.
Os enormes contentores lá em baixo formam um padrão bonito. Este nevoeiro que não chega a ser frio combina com o porto, combina com o fumo. Combina com homens que trabalham muito e olham o mar, e enfrentam o mar. E desejam o mar.
Aqui as pessoas não param. Devem achar feio, poluído, pobre.
Lá em baixo, no porto, é preciso olhar com atenção para ver alguma pessoa.
O porto parece estar parado. Não fossem as turbinas e o fumo estaria parado.
Não. Uma empilhadora vazia move-se ao fundo.
Gaivotas, claro.
Duas mais juntas. Em equilíbrio e abismo.
Algumas muito perto de mim. Quase demasiado.
É sábado, talvez por isso o não frenesim, o não movimento. Só as turbinas que trabalham sós.
Gosto deste sítio aqui. Gosto.

7.abril.07
barcelona

branca

a subir ao montjüic, quase sempre sem ver ninguém.
entre o verde e o rosa.
cantei baixinho, tranquila pela lembrança:



Se eu beber dessa luz que apaga
A noite em mim
E se um dia eu disser
Que já não quero estar aqui


apareceu a primeira borboleta branca até aí vista em Barcelona.
rita, soube-me bem ter lá assim. muito doce. muito tu.

barcelona 07

cá dentro de nós


>















Eu não me lembrava de quase nada a música, da voz da maria bethânea sim... cantei-cantei. Apenas:
Onde estou eu, onde está você
Estamos cá dentro de nós
Onde estará o meu amor?

Sem dar conta absolutamente nenhuma da letra. Serena nas minhas perguntas.
Em salas de paredes Miró, pensava na minha casa (que ainda não tenho) que quero que seja branca-branca. Tectos altos. Janelas brancas e compridas. Paredes vazias. E um quadro de Miró. Pintura mesmo. Um simples, daqueles onde me sinto muito bem. Pouca cor, pouco traço, apenas o certo para me sentir bem lá dentro e querer ficar.


Onde estará o meu amor?
(Chico César)

Como esta noite findará
E o sol então rebrilhará
Estou pensando em você
Onde estará o meu amor?
Será que vela como eu?
Será que chama como eu?
Será que pergunta por mim?
Onde estará o meu amor?
Se a voz da noite responder
Onde estou eu, onde está você
Estamos cá dentro de nós
Sós...
Onde estará o meu amor?
Se a voz da noite silenciar
Raio de sol vai me levar
Raio de sol vai lhe trazer
Onde estará o meu amor?


barcelona 07

muito natural



Esta música é muito bonita mesmo.
Especialmente para quem não sabe cantar... ou fazer as coisas muito bem.
Mas bate um coração!

12 abril 2007

demorar-me











morar-me. morar-me devagar.
saber-me. por vezes difícil. por vezes viagem. por vezes só.

02 abril 2007

Viagem

As viagens formam-se bem devagar. No início apenas vontade.
Subitamente: Decisão. Um arrepio, decidi e agora vou. Agora vou. Arrepio.
Afasto o medo. Esqueço. Irei.
E esqueço mesmo. A ideia aparece divertida, por vezes, sem contar, sem ficar.
Aproxima-se.
Só penso em coisas como…
… que caderno vou levar? Tem de ser um caderno sentido desde o início. É difícil. E a caneta, a de todos os dias – tinta permanente.
… que máquina fotográfica vou levar? Tão diferentes uma da outra…
… a quem vou escrever? Terei vontade de escrever?...
… que mochila/saco levo para andar sempre comigo?...
… e um mapa… queria um mapa.
… onde anda o meu canivete?













E não procuro imagens. Não há nada mais horrível do que fotos de guias turísticos. Não há nada mais esquisito do que (pre)ver o que vou poder ver mesmo! É como se apagasse um pouco a surpresa.
... procuro descobrir como me vou sentir.
... ruas que não conheço.
... serei menina aos pulinhos, com vontade de falar muito?
... serei serena, atenta, interior, com vontade de silêncio?
E depois começo a juntar coisas, num sítio qualquer… o chão do quarto ou a mesa do escritório.
Primeiro aquelas coisas. Depois…
… os documentos.
… a única peça de vestuário que não me quero esquecer… neste caso foram os gorros, noutros o lenço, o cachecol…
Converso com quem lá esteve ou lá viveu. Não, não… não quero que me aconselhem o que toda a gente visita, o que toda a gente sabe que tem de visitar… Não, não quero que revelem muito. E eles riscam…
… ruas.
… lojas de rebuçados.
… pormenores num edifício.
… comparações.
… o bairro onde é um pouco perigoso mas é experiência única.
… um mercado de flores.
... anda e perde-te. perde-te.
Depois vou às compras.
… bolachas em pequenos pacotes para as fomes desfinanciadas.
… tostas e queijo querú.
… chourição e sardinhas em tomate (duas coisas que só como em viagem, desde pequena. Muito se enojam os que comigo viajam, mas chega sempre o dia em que pedem e lhes sabe pela vida.)
… lenços e toalhetes (vindo de mim causa estranheza, parece aprumado, mas absolutamente práticos!)
A MOCHILA… ai detesto a parte da roupa. Coisa mais estúpida escolher roupa para sei lá quantos dias. Tento ser simples: não ter frio nem calor. Sobretudo não levar o que não é preciso.
Amanhã parto de viagem.













Fotos de Steve McCurry

Respigar e rebuscar










Curiosidade.
Curiosidade de há muito tempo atrás.
Alguém que tinha dito “é muito bom…”
Curiosidade guardada, quase esquecida, por vezes acordada, estremunhada… adiada.
Ontem encontrada. Ontem escusada.
Hoje escolhida.
OS RESPIGADORES E A RESPIGADORA.
Um documentário muito mais que bonito. Muito mais que cruel. Muito mais que certo.
Consigo encontrar o mais fabuloso cinema.
Consigo encontrar a mais dura realidade (que mais uma vez digo “É preciso ver! É preciso saber!”)
Consigo encontrar uma certa cumplicidade, uma cumplicidade que corre em mim e vem de gerações… gostar de armazéns, de peças pequenas, de objectos abandonados, ferrugem, da delícia das lojas de ferragens… olhar para as coisas e querer recuperar-lhes vida. Parece que o coração se apressa. Apressa-se de vontade de os levar comigo, de lhes encontrar novos sentidos. Às vezes apenas porque têm graça. E essa graça não consigo explicar.
O gosto pelas prendas feitas… de coisas que não serviam para prenda, não serviam para nada.
Muito mais que certo. Porque é certo saber. Verdade.














foto: Agnès Varda, a realizadora e argumentista.
quadro: Des glaneuses de Jean-François Millet

01 abril 2007

RECONHECIMENTO À LOUCURA














Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descermos abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?

E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?

Tu só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam necessárias para olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.

José Almada Negreiros

Tenho dias de absoluto desatino. Surge sem eu querer, começo a notar no tom de voz, na irritação que coisas-menos me provocam, na inquietude no corpo, na impaciência de uma espera que nunca diz quando vai acabar.
Tenho esses dias em que não suporto que venham com impossibilidades, com pequenos problemas em sonhos maiores, muito maiores que eles. (tenho vontade de dizer... complicas porque não tens coragem, mas não digo porque isso é ser má.)
Tenho essas horas em que se não vão comigo, cerro os dentes e vou sozinha. Vou sozinha. E sei cá dentro que não queria ir sozinha. Sei cá dentro que não queria ficar aqui, que não consigo ficar aqui e a vida é muito maior, absolutamente bela lá fora. E fujo para fora de mim. Escolho o meu gorro, levo o meu caderno, levo a minha máquina fotográfica (que só uso se me apetecer mesmo), levo as minhas botas e o meu mapa... que só sigo quando quero.
Olhos abertos, foi o que me ensinaram.
Nestes dias não gosto de negociar. Não gosto de convencer. Não gosto de seduzir.
Atrevidamente. É a palavra que mais gosto neste poema.
Descer abismos. Trepar abismos. Onde chegarei? "Pelo sonho não vamos lá" mas falo-ei enquanto cerrar os dentes e avançar.


...
Há filmes, há textos, que me lembram quem sou.
Billy Elliot