29 outubro 2007

Fim-de-semana



A família sai de fim-de-semana.
Eu fico aqui.
Instalo-me na mesa grande da sala. Espalho tudo, vou amontoando livros para me desforrar das dúvidas que não posso resolver quando, nos dias de semana, os livros que levo são o peso que carrego.
Sabe especialmente bem ficar a ouvir este CD.

É que a música clássica tem aquele efeito… Quando é poderosa sentimo-nos capazes de grandes audácias. Quando é suave, sentimos a calma das coisas seguras.

Obrigada a quem ofereceu.

28 outubro 2007

Um mês


















Não consegui tirar os olhos dela. Não consegui deixar de pensar como está bonita, como cresceu, mulher.
A minha amiga está gigante.

Quando vivemos tantos-tantos-tantos dias nas nossas coisas, nas nossas páginas, na nossa preocupação, no nosso tempo, podemos esquecer o sentido do que fazemos. Tem sentido? Ou... tem todo este sentido? O primeiro impacto, quando alguém assim bonita nos conta apaixonada de outras ideias, é pensar que o que fazemos é sem graça, é sem rasgo. Ficamos tristes. Depois, vem outra vez a gémea mais destemida, e encontra sentido. Nem que seja à força, temos de encontrar sentido, vamos lá. Não é mesmo hora de desânimo.
Conduz-se para casa sem dar conta do caminho. Ainda assim pensamos “tem sentido?”.
Às vezes queria mesmo ser capaz de dar tréguas a esta pergunta.

Hoje não,
mas, mais um mês e a minha vida muda.

(gosto muito desta publicidade, faz-me rir!)

24 outubro 2007

Lindo!

O meu primo mais novo fez hoje 8 anos.
Reguila. Irrequieto. Difícil de conquistar. Meigo apenas quando quer. Com tendência para o desastre. Olhos grandes e sardas.

A mãe perguntou-lhe o que queria de prenda. Ele respondeu e insistiu que queria “um jantar especial”. E especial é com flores e velas.
E assim estará ele a esta hora.

Bloqueio II

Não consigo evitar. Acontece sempre. Basta o som demorar um pouco mais do que que os pequenos fechos das calças. Basta o som demorar um pouco mais e lembro-me sempre-sempre de campismo.
Deve ser por ser uma memória tão inicial. Desde sempre, acho. Tantas vezes repetida até hoje.


E a seguir lembro a caruma a cair na tenda, o perceber que os pais se estavam a levantar, iam buscar o pequeno-almoço fresquinho. E eu sentia-me a pessoa mais feliz do mundo por estar numa tenda! Só depois começava som abafado prince a ladrar dentro do carocha (era o único sítio onde ele dormia sossegado)

E, se deixar, depois lembro muitas outras histórias de acordar e adormecer (ou não dormir) em tendas.

23 outubro 2007

Casa



Ele, mesmo sem saber, já me mostrou tantas coisas... tantas que me lembram sempre uma saudade serena, uma saudade que se aninha no pouco que nos vimos. Um espaço pequeno mas enorme.
E hoje mostrou-me o que podia ser uma casa para mim. Esta. Mas não é apenas o que se vê aqui, espreitem as imagens e o conceito (que é a parte importante!) no espaço do Pedro.

20 outubro 2007

depois da festa



Porque é que gostas de cinema europeu?
O tom da pergunta costuma ser… como é que isso é possível?

E eu não gosto da pergunta e não respondo nada de jeito. Qualquer coisa evasiva.
A verdade é que não gosto das conversas sobre cinema (é comum acabar num desfile de vaidades). Sei perfeitamente que não gosto de ouvir os outros terem-nas e por isso também fujo a explicações.
A verdade é que estou muito longe de entender o que quer que seja de cinema para tentar ensaiar críticas. Gosto ou não gosto. Sinto-me bem, fico bem. Sinto-me mal, fico mal… encontro ou não sentido nisso.
A verdade é que qualquer entendedor de cinema verá claramente que entre alguns bons filmes que vi, são sempre muitíssimo-íssimo-íssimo mais os que eu não vi!

O que eu gosto mesmo é da sala escura, é de estar lá e sentir aquilo tudo... outras histórias, tão semelhantes ou tão radicalmente diferentes da minha. Reparar nos pormenores. Encontro sempre locais que quero ver, onde gostava de viver, uma estante, uma mesa, uma janela, uma rua, alguém a quem fazer perguntas, ralhar ou pedir colo.

E do cinema europeu (seja lá o que isso seja) eu aprendi a gostar. E isso nem sempre é fácil… dou por mim a pensar às vezes, vá lá… não esperavas isto, mas aproveita para descobrir como é que alguém pode imaginar um filme assim, como é que alguém tem uma estrutura mental tão diferente daquilo que estás habituada… vê lá se este realizador não foi corajoso em ir contra tudo o que é suposto?! E assim os filmes acabam quando não se espera, são filmados dos ângulos que não conhecemos, têm diálogos discretos (aí sim, para mim, é a diferença fundamental… não é tanto o enredo, a acção, o objectivo final das personagens que interessa, é o que elas vão pensado, construindo, conversando, (se) encontrando… aí o cuidado é, quase sempre, bem maior. Um texto. Algo a dizer com ele: nem sempre imediato. Sentido e posição das palavras.) ou diálogos indiscretos, terrivelmente curtos (às vezes parecem uma chapada que revolve tudo, transforma), deliciosamente longos. Também calham ser sem nexo absolutamente nenhum e perde-se a paciência. O ritmo é outro, mas depois de entrar sabe bem ficar. A cara dos actores parece dizer muitas coisas… (alguém entra nos olhos de Laura Morante sem se perder? E perdemo-nos porque a câmara não tem medo de parar neles.). As casas são casas, não parecem cenários. Desarrumadas. As cores são estranhas, mas encontramos-lhes a fotografia mais fabulosa. Aquela-aquela que queríamos saber tirar.

E têm uma coisa muito boa. É que para encontrar as críticas escritas é preciso procurar e elas não são faladas (pelos cafés, filas de espera, almoços e jantares) então, somos obrigados a descobrir sozinhos se gostámos ou não.

Fotografia de Ensemble, c'est tout.

18 outubro 2007

shiatsu















Ela sabe muito bem o que é que eu estudo.
Conhece-me de 3 ou 4 sessões. Espaçadas nos anos.
Mais uma vez a minha queixa era muito concreta. Uma dor horrível entre a coluna e a omoplata direita. Há umas semanas. Não está lá sempre, mas quando aparece dói-me muito, quase não posso respirar, irradia abraçando-me ou atravessando o pulmão até à frente.
Deitei-me. Gosto dela. Faz-me bem e não faço perguntas. Ela também pouco fala, deve intuir que de outra forma eu não voltaria lá, deixa-me ficar no silêncio enquanto me faz shiatsu.

(E eu tenho muito talento para ficar ali quieta só a aproveitar, não adormeço porque não é suave, embora seja bom. Às vezes fico embaraçada com as coisas que vou pensando, tenho sempre a sensação de que percebem tudo.)

Perguntou a certa altura: - Já pensou em ir para pediatria? Eu respondi que em princípio não queria, mas não deixava de lado a hipótese. Ela disse só: - Devia. É calma e isso é importante para as crianças. Calou-se. Muito depois voltou: - Podia ir para pediatria… é que respira como as crianças. Calou-se.
Fiquei a pensar se é por isso que costumam simpatizar comigo.
As crianças e os bichos.

No fim disse-me poucas coisas. Fiquei a saber que estou com dois meridianos bloqueados. Um deles é o dos intestinos. – Os seus intestinos não estão nada bem. Eu ia responder-lhe com a cara de quem diz que não é verdade (se há coisa resistente em mim são eles). Ela olhou-me com a cara de quem diz que não está a falar disso. E eu mudei a expressão, para aquela de quem vai ouvir apenas. E ela só então falou: - Os intestinos são a casa, a família. É isso que a preocupa. Olhei para o chão e disse: - Eu vou sair de casa mas não sei para onde.

Saí tontinha de contente nem sei porquê.
Passei o dia a cantar esta música.




Uma fotografia que eu gosto mesmo, de Elliott Erwitt.

15 outubro 2007


















É caso para dizer:

Vieste na pior altura possível.
Mas esperava-te. Afinal aprendi a esperar-te, quase pacientemente.
Por isso, sê BEM-VINDA!
Espero que possam aproveitar melhor do que eu.

13 outubro 2007

Frágil


(começando a escrever sobre os arranha-céus anti-sísmicos de Tóquio ela continuou…)

O que é frágil garante a segurança.

E porquê? Já é assim também nas estruturas e nas instituições. O que é construído assentando na fragilidade, resiste mais facilmente às grandes transformações, aos sobressaltos inevitáveis do correr do tempo. Mas as revoluções fazem desmoronar tudo o que é rígido, burocratizado, empedernido. (…)
Queremo-nos seguros da segurança que reside nos bens, na permanência em um lugar, nas coisas que dizemos nossas, nas decisões que julgamos tomar sozinhos. Buscar fragilidade é o contrário disso. É ser plasmável, capaz de vibrar com o que muda. As pessoas mais seguras – fiéis, coerentes, fortes – são paradoxalmente as mais frágeis – não da fragilidade das bonecas de louça da infância mas da fragilidade dos bambus que a tudo resistem. A fragilidade não é uma qualidade do carácter – é uma dimensão da inteligência. Como tal, oferece a segurança das coisas certas e maduramente reflectidas.”

Maria de Lourdes Pintasilgo

Porque assino por baixo e a consigo imaginar a dizer isto.
Porque vejo essa fragilidade-segura nas pessoas que mais admiro.
Porque apetece tirar o “L” de plasmável e torná-lo em pasmável… que é uma coisa boa, que traz essa ventania que abala o que achávamos certo.
Porque das coisas que mais tenho perdido são as ideias inflexíveis. Porque depois de as perder sabe bem sabê-las parvas e não ter encontrado novas para as substituir. Ficar em suspenso.
Porque perdemos muita energia a procurar ser fortes, decididos, convictos... discussões cheias de exclamações dramáticas (!).

10 outubro 2007

Leve




















O céu é teu sorriso
No branco do teu rosto
A irradiar ternura
Quero que desprendas
De qualquer temor que sintas
Tens o teu escudo
O teu tear
Tens na mão, querida
A semente
De uma flor que inspira um beijo ardente
Um convite para amar


Maria Rita

A Elis Regina, quando lhe perguntaram o que mais queria para a filha Maria Rita, respondeu que era que ela fosse sempre leve.
E a Maria Rita, quando canta esta música, lembra esse desejo da mãe.
É a música que canto baixinho quando me quero lembrar também.


Eu conheço essa preguiça de ouvir as músicas, mas esta eu acho que vale a pena.

07 outubro 2007

canto



Não consigo conter o arrepio sempre que oiço.
Numa sala de cinema escura, quando não se espera, maior ainda.
Fados de Carlos Saura.

Lembro-me de entrarmos os 4, dentro do carocha, em Grândola. Era só de passagem mas cantámos muito alto comovidos! Lembro o espanto de a terra acabar antes da música.
Enche o peito. Sente-se a coragem cá dentro.

03 outubro 2007

Ci sentiamo


















Gostam “sem palha”, sem tretas, sem acessórios. Não dizem o que não é preciso, não abusam das palavras que dizem que se gosta, não fazem promessas vãs, não dão beijinhos no ar…
Ele-Z ligou, acabado de chegar do país longe onde mora, para combinar cinema, como se se tivessem visto ontem.
Ela-J apanhou chuva, arriscou uma multa, e acho que foi só para a ver.
Ela-L telefonou, no caminho do metro para casa, só para dar uma notícia muito boa. Sabia que ia gostar de a ouvir feliz assim.
3 momentos num só dia.
Acredito na força do bem-querer.
Vivo com a firme convicção de que, com as pessoas que olham por mim, a minha vida só poderá ser maioritariamente boa.

Ci sentiamo foi uma expressão que aprendi com o zé pedro, num texto em que ele explicava muito bem o que é isso de dizer
"Sentir-nos-emos" em vez de "Tchau, até um dia destes".

Piano. Jazz. Alice. Itália.













Eu não queria mesmo estudar. Um esforço tremendo.
Depois fechei os olhos sem que ninguém visse. Pensei (não pela primeira vez, mas agora mais claro) naqueles que têm de se empenhar muito para serem bons, bons a sério.
E foi claro para mim, nesse momento, pensar nos pianistas. Não chega o dom. A música é qualquer coisa demasiado grande para eu conseguir perceber.
E imaginei, por razões também muito claras, o Bernardo Sassetti, horas sem fim, pela noite fora (como o ouvi dizer numa entrevista) a compor.
Mudei o mp3 para Nocturno.
Oiço quando é precisa calma, de fora para dentro.

Agora encontrei-o nesta página AQUI:

Para Sassetti, o silêncio é uma peça essencial em qualquer filme. Essa convicção leva-o a criticar a forma como as bandas sonoras servem muitas vezes o produto comercial e não o produto artístico.”Existe uma necessidade enorme de ter música de fundo quando o silêncio é fundamental para contar uma história. Isto porque o negócio dos filmes está no seu aluguer e venda, e as pessoas precisam de som na televisão para continuarem em sintonia. Imaginem uma senhora em casa a ver televisão e que depois se levanta para ir à cozinha… a música ajuda a mantê-la agarrada ao que estava a ver, não é? Isto é uma forma comercial que para mim é insuportável”.(...) "O que gosto de fazer é tirar a palha da minha música. O jazz é uma música improvisada, é muito fácil mostrar que temos técnica ou que sabemos fazer muitas coisas mas quando se chega a uma certa altura acho que isso é totalmente desinteressante. O que quero fazer é espremer a música até à sua essência. É uma simplicidade que não é simplista mas que é simples”.


A imagem é de Alice. Filme mais que bonito com banda sonora de Bernardo Sassetti.
E para meu espanto (!!) descobri que o filme que vi há cerca de 15 dias "O talentoso Mr. Ripley" também contou com ele, na altura no Guy Barker International Quintet. Invejável este ambiente de Tu Vuo' Fa' L'Americano - (re)vejam este pedacinho e digam se não vontade de correr para lá!