31 outubro 2008

Livros






















Eu estava a conduzir para o Porto. Ouvia rádio. Quando me lembro desta conversa, desta ideia, lembro-me que atravessava a ponte da Arrábida. Num dia de início de frio.

Encontrei Nuno Nabais na TSF.
Nuno Nabais é professor de Filosofia e o livreiro da “Eterno Retorno”. Cheguei a cruzar-me com ele no Bairro Alto na sua livraria. Ali bem perto ficava já a "Ler devagar". Em qualquer uma delas me deixei perder. Uma delícia. Agora as duas livrarias podem-se encontrar juntas na Fábrica Braço de Prata, e também lá gostosamente me perdi.

Para Nuno Nabais é muito importante construir uma sala da livraria pegando numa ideia do Aby Warburg [que Nuno Nabais explica] "Os livros devem estar estruturados como uma experiência de conhecimento. Os livros não estão organizados por ordem alfabética nem por secções temáticas. Cada livro deve estar ao lado de outro livro que tenha uma relação com ele. De maneira que uma pessoa pegando num livro, se for seguindo a rede, chegaria a todos os outros livros."


Nunca me tinham explicado esta forma. E eu achei-a mesmo bonita.
A ver se não me esqueço.

29 outubro 2008

Cientistas em saldos

"Sabia que há cientistas que ganham 745 euros?
Que não têm direito a subsídio de desemprego, férias, Natal ou alimentação?
Que não são aumentados há seis anos?
Está naturalmente curioso de saber em que país, mas estou certo de que já adivinhou."


















"São os bolseiros de investigação científica! Uma designação infeliz para os jovens (e menos jovens) investigadores, pois classifica-os pelo tipo de regime contratual com que exercem funções, secundarizando a natureza da actividade (investigação). Faz tanto sentido como descrever um juiz como um "assalariado da justiça". Os bolseiros podem-se distinguir segundo o tipo de bolsa que têm. Os BIC (bolsa de investigação científica) são licenciados e, independentemente da sua experiência ou competências, ganham 745 euros. Os BD (bolsa de doutoramento) têm em geral um excelente percurso académico e científico (não é fácil ganhar a bolsa!), são investigadores experientes e motivados, ganham 980 euros. O mesmo valor desde 2002, o que representa face à inflação acumulada uma perda de 18 por cento do poder de compra.
(...)
Pode-se argumentar que os bolseiros "estão em formação" e que "já é uma sorte estarem a ser pagos". Mas trata-se de adultos (uma licenciatura não se acaba antes dos 22-23 anos) com contas para pagar e legítimo direito à emancipação (ou um cientista tem que viver em casa dos pais?).
(...)
Creio que seria de todo justo e adequado que os cientistas e investigadores estabelecidos tomassem pública e politicamente o partido dos jovens investigadores. A alternativa é continuar o choradinho da fuga de cérebros. Não há fuga de cérebros. Há expulsão de cérebros. "

Texto integral de David Marçal no site do Público AQUI


É uma vergonha!!!
E governos e mais governos a falar de ciência, de tecnologia, de inovação, de progresso e competitividade.
Desculpem, mas até me dá vómitos.

Encontros


Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero
(...)
E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem


A letra de "Encontros e despedidas" é de Milton Nascimento, a cantora é Maria Rita.
Lembrei-me desta música por um amigo ter escrito sobre estações de comboio, sobre tudo o que se cruza ali.



Você me tirou pra dançar
Sem nunca sair do lugar
Sem botar os pés no chão
Sem música pra acompanhar

Foi só por um segundo
Todo o tempo do mundo


Esta é umas das que mais gosto: "Cupido"



para quem não conseguir abrir o segundo video ver AQUI

28 outubro 2008

desarmamento de crianças e jovens





















Depois do "cidades lentas" e de "contra o cancro", agora a IM Magazine publicou o meu texto "desarmamento de crianças e jovens" LER AQUI

Aventurem-se pelo resto da revista, vale a pena!

25 outubro 2008

jumper


"A minha filha tem apenas dezoito meses, por isso não posso
dizer-lhe isto agora. No entanto, quando Chloe tiver idade suficiente, quero que ela saiba uma coisa que uma colega em tempos me disse [...] «Demorei muito tempo, mas finalmente percebi. No que diz respeito aos homens que se interessam por nós a nível romântico, é mesmo muito simples. Basta ignorar tudo o que eles dizem e prestar atenção somente ao que fazem.»"

Este conselho da amiga de Randy Pausch tem muitas maneiras de ser interpretado, algumas delas bastante más, machistas ou feministas.
Eu fixei a frase, há cerca de um mês. E tenho-me lembrado dela várias vezes. Rio-me sempre de mim para mim... porque acho que faz sentido, que é bom encontrar-lhe um sentido bom.

Assim, como assim... acho que se pode aplicar a todas as pessoas na vivência do Romance, por melhores que sejamos nas palavras somos sempre mais verdadeiros naquilo que fazemos de facto.
Vale a pena ter essa coragem.


fotografia jumper de Rodney Smith

23 outubro 2008

Promets-moi



realizador: Emir Kusturica

Esta fotografia não é do filme, mas lembra uma das coisas que mais gostei do filme.
Se ficaram curiosos, vale bem ver.
Kusturica não é só desvaire e maluqueira. Não é só casamentos e rebolar pelas encostas abaixo. Ele mostra-nos que tudo é possível. Ele sabe dizer-nos isso com as imagens mais bonitas e invulgares [um casal que namora e refila num sino... as maçãs... as cores... as caras]

20 outubro 2008

A PORTA


















Autor: MAGDA SZABÓ

Quem disse que os livros são para ser fáceis? Um gosto que se vai revelando em inteligência e surpresa.
Quem disse que as relações são simples ou explicáveis? Uma amizade, uma admiração, um profundo elo entre duas mulheres. Sim, são elas, as mulheres, quem escreve esta história, apenas a elas pertence.
Por vezes dói, dói mesmo.
Estranha e extraordinária Emerence.
E a porta, aquela porta. Como abri-la?

MAGDA SZABÓ [1917-2007] Romancista, dramaturga, ensaísta e poetisa, húngara.

15 outubro 2008

mal disposta



É muito frequente os/as enfermeiros/as tratarem-nos mal. Respondem mal, questionam bruscamente, criticam impiedosamente.
É muito frequente os/as médicos/as lhes responderem ao supetão ou lhes prestarem desprezo.
Medem-se forças.

Eu sei que é uma luta antiga. Eu sei os motivos dela.
Mas não a compro! Aliás, acho-a um perfeito disparate. Prejudica todo o trabalho daquilo que devia ser uma equipa, prejudica os doentes.

A mim também, é frequente tratarem-me (acabadinha de chegar à profissão) com uma secura e agressividade que parece dizer "a mim não põe o pé em cima".
Mas eu insisto. Cumprimento-as todas. Tento saber os nomes. Falo-lhes com respeito, peço desculpa sempre que entro nos espaços delas, peço por favor que façam o que preciso para o meu trabalho, reconheço quando errei, peço ajuda quando não sei. E quando me respondem muito mal é frequente desarmá-las com a delicadeza com que lhes respondo (aliviam os rostos). Se mesmo assim insistem na rudeza, eu apenas saliento que é pelo interesse do doente que lhe peço aquilo... e deixo a zanga para mim.
Sei que me observam e testam. Mas alguma simpatia lhes vou duramente conquistando. Vale muito a pena!

14 outubro 2008

Do outro lado


Título original: Auf der Anderen Seite
realizador: Fatih Akin

Não sei se era bem este filme que tinha decidido ver, passadas as páginas do cinecartaz. Mas eu teimei que era. Cheguei muito a horas mas enganei-me no local do filme. Enganei-me depois também nas estradas que me deveriam levar ao lugar certo. Paguei um parquímetro, depois outro e finalmente um subterrâneo.
Cheguei atrasada, mandaram-me entrar sem bilhete. Entregaram-me depois, quando puxei pela camisola do "revisor" que me procurava à luz de uma lanterna.

Tempos. Sequência de imagens e de história. A forma de contar. Muito inteligente.
Profundamente humano.


[muito bom para quem andar desacreditado de que as pessoas são essencialmente feitas de boa matéria]

09 outubro 2008

Bienvenue chez les Ch'tis


realizador: Dany Boon

Aconselho a todas as pessoas que fazem questão de dizer mal do cinema francês.
Pequenas coisas absolutamente maravilhosas. Simples e sincero.
Aconselho também a todas as pessoas que não sabem onde estarão para o ano.

Home cinema VII


LUST CAUTION
realizador: Ang Lee

Consegue ser um filme violento, brutal, doloroso.
É sem dúvida um filme muito belo.
Um filme com as mais bonitas cenas de sexo que eu me lembro.

se esta rua fosse minha…



“se esta rua fosse minha…” - esta foi a ideia subjacente à criação deste festival na sua primeira edição: criar um espaço de liberdade, aberto à comunidade artística, bem como ao público em geral, para que durante um dia uma das ruas mais bonitas da cidade fosse sua. Levando todos a apropriarem-se dela, vivendo-a e sentindo-a como um prolongamento da sua casa…e da sua vida.

in programa do festival

É bem verdade que de popular esta rua não tinha nada naquela noite.
Mas o ambiente era muito bom. Com aquela sensação que nos cruzamos com muita curiosidade, muita criatividade... muita vontade de estar ali simplesmente a ver o que nos irá surpreender.
Nesta rua do Porto, e nas que a rodeiam, encontram-se algumas lojas, associações e bares muito giros. O bar que eu gosto mais é um que parece uma loja antiga, com enormes armários cheios das coisas mais incríveis. O espaço é despretensioso.

06 outubro 2008

Post de 30 de setembro



Observava-a. Estava a operar.
No fim deu os pontos finais na pele (= sutura) e pensei “há milhares maneiras de suturar mal… mas apenas algumas para suturar bem.”
- É que só se sutura bem quando se sabe os fundamentos, pormenores e particularidades de cada parte do corpo, de cada tipo de ponto, de cada doente.

Ontem, com o fim-do-mundo instalado nas urgências, agora em Medicina Interna, concluí… “há milhares de maneiras de ser mau médico… mas apenas algumas de ser bom médico.”
- E só se é bom médico quando se estuda. Decidi: é escusado achar que é a experiência ou os colegas que trazem o conhecimento… é que a única forma de sabermos se a experiência ou os colegas nos estão a ensinar bem é saber os fundamentos, pormenores e particularidades teóricos. Eles é que nos farão REconhecer o que está certo, de facto, e aprender então com quem faz bem na prática.

QUASE OUTRO POST: essa coisa da convicção

É que não é possível guiarmo-nos por quem nos ensina e explica com convicção. Pessoas que falam com toda a convicção não faltam! (não só na medicina!) E ela é importante, fundamental! Porque os doentes não vivem bem com as nossas dúvidas… Ainda assim, prefiro a convicção que tento transmitir no “Não sabemos o que se passa consigo, mas estamos mesmo empenhados em descobrir o que será.” E explico o que se vai fazendo, o que se vai excluindo… Prefiro essa forma àquela convicção de mentira: “Isso não é nada, não se preocupe!”

Assim, intrigando bastante os colegas, fujo de trabalhar com algumas pessoas “muito porreiras, que até te deixam fazer tudo” e prefiro quem estabelece menos proximidade, me deixa fazer menos, mas me ensina seguro. Desconfio cada vez mais do porreirismo, peço desculpa.


a imagem é de Rodney Smith, e roubei-a descaradamente ao pedro

02 outubro 2008

A gente vai continuar



Temos mochilas boas, daquelas resistentes, que duram há 17 anos com muitas viagens, nossas e de quem as pede emprestadas. Mas eram demasiado grandes. Não queríamos pagar bagagem de porão e o check-in foi on-line.
Então, num hipermercado comprámos 2 mochilas, pouco mais de 20€ no total.
2 pessoas, 14 dias:

MOCHILA 1 – 30 litros
- Tenda
- Colchão auto-insuflável
- 2 sacos-cama
- 2 toalhas super-absorventes
- Medicamentos

Uma colchonete juntou-se à viagem e passeou agarrada aos elásticos externos desta mochila.

MOCHILA 2 – 40 litros
- 15 t-shirts
- 3 calções
- 2 calças
- 2 camisolas
- 2 casacos
- 1 vestido
- roupa interior
- toilette

MALA a tiracolo, térmica:
- 2 livros
- caderno vermelho de viagem
- caneta
- cola e fita-cola
- guia Roma
- guia Itália
- todos os papéis, bilhetes e documentos
- máquina fotográfica

Sempre ouvi em casa: “Aprende a viver com pouco. Saberás viver com o muito, se ele vier, e estarás preparada para tempos difíceis.” Ouvi tantas e tantas vezes isto e, dado o contexto, normalmente chateava-me ouvir.
Em minha casa sempre se viveu que é mais importante a leveza e a responsabilidade de se viver de acordo com o que se pode (e viver feliz com isso!) do que viver com aquilo que se queria. É muito mais importante a liberdade de não dependermos do dinheiro dos outros. E os filhos não são para ficar a viver em casa dos pais para sempre e, muito pior que isso, não são para viver fora da casa dos pais mas dependentes deles já depois de adultos!
Tenho pensado, muitas vezes, que vêm aí tempos difíceis, embora não perceba nada de conjunturas económicas nacionais e internacionais. Assim, tenho lembrado muitas vezes a frase do Jorge Palma: REDUZ AS NECESSIDADES SE QUERES PASSAR BEM.



que a dependência é uma besta
que dá cabo do desejo
e a liberdade é uma maluca
que sabe quanto vale um beijo

"inquietação e sedução de tudo o que constroí"
são as palavras que henrique amaro tão bem escolheu para falar de Jorge Palma

01 outubro 2008

Leituras em férias II

Eu queria ler o livro devagar. Mas foi impossível. Devorei-o!
Sorte que fui colando post-it junto a tudo o que ia gostando. E são tantos!


Um homem ambicioso, que preza a verdade, o amor, o falhanço, os sonhos, as pessoas, as equipas, os pormenores.

Um exemplo só:


Jai, a mulher de Randy, sem querer bateu com um dos carros no outro (ambos os carros do casal). Nervosa espera Randy, prepara tudo para que o impacto da desastrosa notícia seja menor.

"Ficou surpreendida. Não estava zangado. Quase nem parecia preocupado. Tal como ela viria a saber, a minha reacção ponderada tinha a sua origem na educação que recebera.(...) «Amanhã de manhã», prometeu «vou pedir o orçamento da reparação.»
Disse-lhe que não era preciso. As amolgadelas não faziam mal. Os meus pais tinham-me educado com a noção de que os automóveis existem para nos levarem do ponto A para o ponto B. São objectos utilitários e não expressões de estatuto social. Por isso garanti a Jai que não precisávamos de cuidados cosméticos. Podíamos viver com as amolgadelas.
Jai ficou um tanto ou quanto chocada. «Vamos mesmo andar com os carros amolgados?», perguntou.
«Bem, não podes ter apenas uma parte de mim, Jai», expliquei-lhe. «Apreciaste a parte de mim que não ficou zangada quando duas "coisas" que nós temos ficaram magoadas. O reverso da medalha é a minha convicção de que não se deve reparar as coisas se estas ainda fizerem o que é suposto fazerem. Os carros trabalham. Vamos conduzi-los.»
Está bem, talvez isto mostre que sou um pouco bizarro. Mas se o nosso balde do lixo, ou carro de mão, ficar amolgado, não vamos comprar um novo. Talvez isso se deva ao facto de não utilizarmos latas de lixo e carros de mão para comunicarmos o nosso estatuto social ou a nossa identidade aos outros. Para Jai e para mim, os carros amolgados transformaram-se numa asserção do nosso casamento. Nem tudo precisa de ser reparado."

Leituras em férias I

Um livro muito simples de ler. Fala de evolução, de investigação, do problema da partilha da ciência e da descoberta. Fala de política. Fala de violência.
Aqui, a personagem principal obriga os filhos a fazer algo que eles não querem, que eles recusam, que vai contra o que eles sempre conheceram. Tenta convencê-los da necessidade de se ultrapassarem.

" - É inconveniente. Não o nego. Mas é novo. Vai necessitar de um período para se habituarem, se vocês algum dia o conseguirem. Mas não é possível construir uma barragem de água sem criar barreiras, inibições, frustrações, complexos. É uma ideia que retirei da observação dos castores. Eles detêm rios, e reparem na força com que a água jorra pela estreita abertura que é deixada. Olhem para as Murchison Falls, ou, melhor ainda, reparem nas Victoria Falls. Isso dar-vos-á uma ideia daquilo de que estou a a falar: obstrução para desenvolver uma força irresistível. Só que nós não somos rios. Isto é algo que tem que ser feito nas nossas cabeças."

obstrução para desenvolver uma força irresistível
guardo. penso nas escolhas que se seguem.
há áreas da vida em que já sei que não quero, não preciso, fazem-me mal as obstruções. mas noutras... será?