26 novembro 2008

Listas textos arrumações




Também eu inspirada por conversas amigas lembrei-me de uma sucessão de "textos" que escrevi em tempos. Tempos de não deixar azedar. Numerava-os sempre a vermelho, no cimo de uma folha A4: GRITO DO IPIRANGA 1, GRITO DO IPIRANGA 2, etc... [acho que não passaram dos 4]
E sim, falavam dos medos e das coragens.
Ralhava comigo para encontrar garra para saber do que valia.
Algumas das coisas que marcaram o meu percurso começaram porque ralharam comigo.

fotografia de Rodney Smith

Azulejos - Espinho

Já o tinha pensado fazer há algum tempo.
Chegou um fim do dia:
amostra pouco significativa de uma
recolha de azulejos em Espinho.

22 novembro 2008

abriu-se o mapa






















Abriu-se o mapa.
[e para mim não é tão grande assim]
Joga-se aquilo que se quer ser, aquilo que se quer apostar na profissão, e nas outras nuances da vida. São muitas e não menos desafiantes, e não menos úteis.
Jogam-se algumas coisas que são bem profundas em nós. Ficar perto ou ficar longe dos nossos? [cuidar dos outros e não ser capaz de cuidar dos meus? penso...] Ambição ou conformismo? Qualquer uma delas possível em qualquer lugar. [repito para mim]
Obriga a conhecer-nos e procurarmo-nos.
O que é mais importante para nós?
Tantas frases que eu sempre disse... chega a altura de as escolher de facto.

Palavras: variedade. compromisso. proximidade. holístico. organização. exigência e não humilhação. trabalho muito, desgastado sacrifício não. ir e voltar, saber como foi.

Sei que gosto de trabalhar com o meu tempo, o meu espaço, a minha organização.
Sei que gosto de investigar (soube-o porque fizeram-me essa observação este ano), de descobrir as razões, e costumo desconfiar de respostas rápidas.
Sei que é difícil (praticamente impossível) sentar-me a estudar sem um objectivo muito concreto.
Sei que gosto muito de observar como se mexem as pessoas, as palavras que escolhem para se explicar, os silêncios que aguardam, as perguntas para as quais já têm uma resposta.
Sei que me custa recomeçar do zero a cada pessoa que chega.
Sei que não me atrapalha pedir ajuda ou enviar a pessoa a quem saiba mais do seu problema do que eu, mas que gosto de depois saber o que aconteceu, o que se faz depois.
Sei que viver muito da profissão não me fará bem. Não quero sentir culpa de trabalhar e não quero sentir culpa de desfrutar.
Sei que gosto de gerir o meu esforço e a minha aprendizagem e não de estar pressionada.

Sei que quero morar numa casa de paredes brancas e prateleiras com livros e música, poucas coisas, uma sala insonorizada e um escritório de trabalho. Gostava de ter um alpendre para receber amigos e uma lareira para os dias frios. Gostava que tivesse um quintal pequeno e um cão (e um gato!). Sei que quero poder usufruir dela e de quem lá estará.
Sei que escrever estará presente, só porque sim, sem objectivo. Sei que quero voltar a África para trabalhar. Sei que quero aprender mais, mas docemente (sempre que possível).

19 novembro 2008

octógono


No meu hospital, as mesas do refeitório são octógonos. Quatro lugares virados uns para os outros, quatro espaços entre cada lugar.
Naquele refeitório propicia-se sempre um almoço acompanhado. Diferentes especialidades, diferentes profissões. Conversa-se, conversa-se sempre. Fica-se a conhecer quem ali trabalha. Discutem-se coisas importantes, troca-se a nossa vida.

No meu hospital almoço muitas vezes com o meu chefe de serviço e tenho à vontade para lhe dizer, se no meio do trabalho está a distraído, “Dr. (..) sente-se aqui ao pé de mim, precisamos discutir este doente desde o início.” [E ele ri-se. E eu penso… hum… este é um sorriso que eu recebo constantemente dos médicos mais velhos com quem trabalho, não sei bem que significado tem. Talvez qualquer coisa como “É atrevida esta miúda, mas como tem graça vou lá ver o que ela quer.”]

No meu hospital já recebi um olhar preocupado “Não estás com bom ar hoje, se te sentires explodir avisa-me, sim?”

No meu hospital quando o doente entra pela porta da urgência a probabilidade de ser conhecido pelos médicos é bastante grande… é alguém que já viram noutras urgências, que já tiveram na sua equipa de internamento, que acompanham na consulta, ou que já viram lá pelas enfermarias. Evitam-se muitos gastos em investigações repetidas. Medicina de proximidade.

No meu hospital já ouvi “A medicina deve ser exercida com CALMA, com muita CALMA.” e “Cada médico devia ter poucos doentes para se ocupar com muito cuidado de cada um, nada disto que se insiste fazer da medicina.” ou “As pessoas ainda não perceberam que sem sistema básico de saúde, sem a medicina familiar, não se vai a lado nenhum… tapamos buracos!”.

No meu hospital uma médica especialista gosta de mexer no meu cabelo, brinca apenas com ele, distraída às vezes, sempre com carinho.



Pode ser que feche. Ninguém sabe.
Constrói-se e destrói-se em Portugal.
Faz-se obras, remodela-se tudo, investe-se em equipamento e… manda-se fechar em Portugal. Pior… faz-se com que morra lentamente em Portugal (causa menos contestação).
Somos um país de ricos nós.

12 novembro 2008

Medicina e arte


The Doctor - Samuel Luke Fildes

I ACTO
No sábado, em Coimbra, fui a uma palestra sobre Medicina e Arte.
E não sei bem porquê, não foi nada do que esperava. Mas não sei bem o que esperava. E ainda assim gostei. Ficaram algumas coisas, como esta imagem. E outras, que acho que não vou conseguir evitar publicar aqui em breve.
Se quiserem vejam a imagem maior, reparem como o médico está na casa daquela família. Confesso que só agora reparei nisso. Porque o que me prendeu naquela tarde foi o médico estar sentado. Sentado. Toda a luz possível inclinada sobre a doente. Ele olha, todo-atenção, para a menina. E vemos, é impossível não reparar, que o médico está ali há muito tempo. Sabemos apenas. Mas se quisermos comprová-lo, há uma chávena de chá em cima de mesa, com uma colher dentro. Ele olha a menina. Olha-a. Olha-a. E vê-se que ainda não encontrou resposta, procura-procura-procura "o que terá a pequena?", "viverá?", "que poderei fazer?"
À volta não há máquinas, nem "pip's", nem soros...

Parei. Perdi-me do que o conferencista dizia.
E pensei. Ainda que à parte da casa e agora com muita tecnologia... Será que os médicos ainda olham assim para os doentes? Eu nunca fiquei assim a olhar-olhar-olhar-olhar um doente.


II ACTO
Dia de urgência.
A minha doente que estava melhor começa a ficar subitamente muito mal. Eu só dizia, fazendo acreditar os especialistas "Ela falava, ela estava a sentir-se melhor, ela não estava assim. Ela está mal!". E eles observavam-na preocupados. Depois de uma breve melhoria, ela voltou a piorar. E avisou-se a família e avisavam-se entre a equipa que a doente poderia morrer em breve. E eu fiquei angustiada, dizia para mim "outra vez não, outra vez não... ela estava a ficar melhor... ela estava a falar, ela até se riu". E os soros eram trocados, nebulizações, cânulas de oxigénio mais eficientes. As doses dos medicamentos acordadas, os olhos postos no monitor... e a saturação de oxigénio a apitar a vermelho "61%". Olhávamo-nos na equipa, eles mais para mim... tentavam preparar-me aqueles olhos. E eu pensava "não... não". A saturação subia um pouco, não havia mais a fazer. Afastaram-se todos, a urgência estava a abarrotar, era preciso cuidar dos outros.
E eu fiquei.
Não pensei, fiquei.
Fiquei a segurar na cabeça da Sr.ª, tentando ajuda-la a manter as vias respiratórias mais abertas. Ela em coma.
Não sei quanto tempo passou. Ninguém me chamou. Ninguém se aproximou muito.
E eu olhava-olhava-olhava-a. Começou a abrir os olhos, pausadamente, espaçadamente. E eu dizia-lhe baixinho "Vamos a respirar Sr.ª (...), vamos a respirar.", "Muito bem, vamos a respirar". E ela abria os olhos parecendo verificar que eu ainda estava a ali.
Não sei quanto tempo passou. Quando ela estava melhor, afastei-me. Só então percebi que muito tempo tinha passado. Perguntaram-me por ela, todos ficámos a esperar que a partir daí ficasse bem.


III ACTO
Percebi depois que tinha então conseguido entrar um pouco naquele quadro da conferência. Tinha ficado a olhar-olhar-olhar.


IV ACTO
Hoje, calhou em sorte, a Sr.ª calhar na minha equipa, já internada na enfermaria. Fiz-lhe a visita médica normal, como aos outros doentes, desta vez acompanhada de uma colega. Já me afastava quando ela me chamou dizendo "A Dr.ª estava lá, não estava?!"

11 novembro 2008

Home cinema VIII


MALÈNA
Realizador: Giuseppe Tornatore

Eu pedi um filme bonito.
O filme convidava a lareira, cobertores e muito frio do lado de fora da cena.
E assim é um filme muito bonito, que fala de protecção e violência. Que fala de encontro e de guerra. Que fala de beleza e maldade. Que fala de mar e de sangue.

04 novembro 2008

Entre les murs


A TURMA
Realizado por Laurent Cantet
Baseado no romance autobiográfico de Francois Begaudeau, que é também o professor neste filme.
Vencedor da Palma de Ouro para melhor filme na 61ª edição do Festival de Cinema de Cannes.

Dá-me raiva como lentamente a palavra "privado" ganha elogios e benesses.
Dá-me ganas ver como as ideias de qualidade dos hospitais privados em detrimento dos públicos, bem como, das escolas públicas em favor das privadas ganha caminho, ganha força. A campanha não se faz nos outdoors, nem na boca de quem fala em tribunas. Mas a ideias caminham, alastram, contaminam. Sem pudor comenta-se, conclui-se, defende-se. E ao mesmo tempo tomam-se medidas para tornar impossível tratar ou ensinar nas instituições públicas, pressiona-se, mina-se.



Este filme mostra uma escola pública parisiense.
Era eu pequena e já tinha quem me dissesse "em Paris é impossível aprender nas escolas públicas!" A ideia caminhou mais rápido lá.
E este filme mostra essa dificuldade... essa dificuldade que é criada não pela escola, mas pela discriminação, pela pobreza, pela falta de saída que pode invadir uma escola pública que se quis (a nível nacional e num processo desejado) que caísse. Não apresenta soluções, e no entanto, vemos, sabemos que ensinar uma comunidade "múltipla, abundante, complexa” podia ter tudo de bom, tudo de possibilidades.
As escolas privadas estão muito convencidas de que se aprende a ser gente vestindo-se bem, comportando-se bem, tendo boas notas, aprendendo música e fazendo ginástica, (e às vezes também se reza)... entre outros meninos e meninas que nos acompanhem e queiram ser assim... MAS essencialmente aprende-se a ser gente conhecendo gente!

Sobretudo um filme muito honesto.

03 novembro 2008

alfazema



A verdade é que andava à procura de uma desculpa para pôr aqui esta música.
A Joana deu-ma.
Esta noite também, depois de um dia longo demais, acho que vou adormecer a cantar esta música... para mim, pura e simplesmente, a melhor música do Rui Veloso.
Bem sensual.


(uma coisa boa de lembrar, onde aprendi esta música, entre noites-noites a cantar até nascer o dia: foi o Mocamfe)