30 março 2008

mas desta vez da alegria


Lembro-me de ter estado muito triste numa altura e de ter cortado cabelo muito-muito curto.
Lembro-me de logo depois disso ter visto exactamente o mesmo, numa mulher, no filme Dez, de Abbas Kiarostami.
Lembro-me de ter reconhecido nessa altura, pela primeira vez, que por vezes as mudanças têm de começar por fora. Como se ao olharmo-nos ao espelho, no espanto da mudança (que dura sempre alguns dias), nos fosse mais fácil acreditar que ela é possível, que ela aliás, vai mesmo acontecer!!
Recentemente, sem qualquer tipo de tristeza, decidi sair de casa, mudar de terra. A mudança seguiu para onde não esperava. Mas decidi, desde o primeiro instante, divertir-me com ela.
E as rotinas mudaram. As pessoas com quem faço o meu dia-a-dia mudaram. Os cafés, os caminhos a pé, o vento, o lugar onde se põe o sol, mudaram.
Vinha num carro onde, com o passar da noite, me fui sentindo mais confortável, com o carinho que as pessoas mais velhas têm por alguém mais menina, longe de casa (como se se lembrassem dos próprios filhos, que não parecem querer sair, mas se saíssem…). Vinha no carro feliz a pensar… de facto às vezes as mudanças começam por fora. Dispomo-nos, despimo-nos de medos, brincamos… e acontece.


gosto da letra. gosto do que diz. gosto da energia.

20 março 2008

A verdade.



Não me apetece falar da “verdade” que cada pessoa acha que traz consigo, que consegue ver no seu caminho, que torna, por vezes, estranhos e até distantes os caminhos e escolhas dos outros. Não adianta, com maior ou menor intensidade todos achamos que a sabemos… embora quanto mais pessoas soubermos conhecer maior é tendência para nos apercebermos que o nosso jeito é nosso, e é apenas por isso que nos é querido, de resto… há muitos e fascinantes jeitos de viver.

Apetece-me falar de verdade mesmo. Do dizer a verdade, do falar ou mostrar o que somos e o que sentimos exactamente como é. Penso nisso todos os dias. Não mostrar nem mais, nem menos. Não descrever nem mais nem menos (Sempre me zanguei em silêncio com as pessoas que fantasiam e exageram na descrição de acontecimentos que presenciei, de sentimentos que conheço. Sempre sofri inquieta as explicações demasiado rápidas e secas de coisas que são interessantes). Apenas como é, com verdade. Pode ser mau, pode ser feio, pode ser assustador… mas se for a verdade, como aguentar viver em mentira? São as histórias que mais me angustiam… pessoas que vivem com o peso de uma mentira ou de uma omissão (que neste sentido é mentira na mesma, se nos fizer viver qualquer coisa que não somos nós). E como vivem as pessoas com este peso com as pessoas que mais querem?
Nada melhor do que olhar no fundo dos olhos de alguém e saber que dali só virá verdade, não perfeição, apenas verdade.
O que somos. O que vivemos. O que queremos. O que sentimos.
Nem de mais. Nem de menos. Apenas na exacta medida do que somos.


A verdade é que já tentei com muita força não viver assim mas não consigo... estoira sempre e bem rápido!

Fotografia: Elliott Erwitt

18 março 2008

Notas soltas




















Nota 1: Tenho uma Azálea temperamental. Desde que o JL me ofereceu que ela está na janela da cozinha… Primeiro pensei que era uma planta normal, que precisava de água e luz. Depois, pensei que ela não gostava era de ficar sozinha ao fim-de-semana. Agora, já percebi que ela é mesmo é temperamental, murcha quando lhe apetece. Parece querer castigar-me. Fico sentida, mas vou treinando-a a ser mais autónoma.

Nota 2: Vivo há 2 meses sem nenhum espelho em casa. O senhorio parece viver uma espécie de braço de ferro comigo para ver quem cede primeiro. Eu finco o pé e não compro eu o espelho. Está com azar ele, é que até vivo bem sem o dito objecto.

Nota 3: Sinto o dia-a-dia do centro de saúde entre a angústia dos domicílios, das visitas ao lar, as histórias de vida mais sujas e aflitas… e a simpatia mais profunda por alguns doentes, que me fazem chorar a rir ou ficar muito calada só a aprender.















Nota 4: Não falo muito nas consultas. Mas digo algumas coisas. E a médica costuma ficar calada enquanto eu falo. Muitas vezes reforça o que eu digo, qualquer coisa como “está a ver o que diz a minha colega?...” Mas fico sempre a pensar até onde é que posso ir, até onde é que não incomodo ou digo coisas com as quais ela não concorda. Hoje disse uma frase curta a uma senhora, na consulta, e a médica deu uma gargalhada honesta e disse para a doente, apontando para mim: “Eu gosto de a ouvir!”.
Fiz de conta que não era comigo.

Nota 5: Dediquei algum tempo a tirar as portas ao armário de parede da minha sala. Assim a sala não parece tanto um quarto e parece que cresceu. Um dia destes vou fazer, de uma terça parte dele, um candeeiro.

Nota 6: Já percebi que sou do género… não sujar muito, não deixar acumular, para depois não passar muito tempo a limpar. Assim diluo as limpezas por momentos muito pontuais nos dias das semanas… diluo a chatice das limpezas numa qualquer música de alguém bem mal-comportado.

Nota 7: Já me apercebi que vou ter de fazer algo que já não pensava voltar a fazer: comprar e gravar cassetes de música. O rádio do carro não dá para mais e as velhinhas que recuperei já arranham.

17 março 2008

The darjeeling limited . . . . . . . . . SIMPLESMENTE GENIAL


realizador: Wes Anderson

Fui ver à pequena sala do Teatro Campo Alegre.
Não fazia ideia do que seria. Só tinha visto uma ou outra imagem perdida numa publicidade muda num ecrã da estação de Aveiro.
Iniciou-se a sessão com outro pequeno filme "Hotel Chevalier", que serve de prólogo (esta palavra é mesmo feia) e que também vale muito a pena.

Não desvendo quase nada.
Achei pura e simplesmente genial.
Fotografia. Originalidade. Loucura. Música. Humor. E muita, muita Inteligência.

(aconselho seriamente a NÃO verem o trailer, é uma porcaria!)

16 março 2008

sabe como eram as kodak?


Entrei na loja com a mochila às costas.
Pedi ao Sr., que já reconheço dali, que me revelasse umas fotografias com o mesmo tamanho de outras de há muito tempo atrás. Claro que ele não se lembrou e como eu não tinha as medidas, chamou-me para dentro do balcão (como sempre!), lá estivemos a improvisar. Olhava para todos os gesto dele, mudava de ecrã para ecrã, de um computador para outro, abria e fechava programas, as máquinas de revelação iam fazendo barulhos como resposta, tudo tranquilo, sempre no mesmo lugar, com o mesmo teclado, com o mesmo rato.
Eu estava mortinha por meter conversa. Mas dizia para mim mesma, “vá lá… o Sr. tem mais que fazer do que te aturar e tu tens de ir embora.”
Mas não resisti, sorri para aquela cabeleira branca e “O Sr., com os anos de profissão que tem, já teve de se adaptar a todas a tecnologias e mais algumas”
Xi… Contou-me que estava a fazer 54 anos de carreira, explicou-me como montou o seu primeiro ampliador, aos 8 anos, copiando por um livro; como revelou as primeiras fotografias com um acordo de cavalheiros com o farmacêutico. Mostrou-me o documento de quando se empregou como fotógrafo aos 10 anos. Ensinou-me as técnicas com vidro. Descreveu-me a forma como ainda tira dezenas de fotografias, ao mesmo tempo que as desfilava. Falou das muitas viagens a feiras e formações internacionais. E eu ouvia tudo e perguntava tudo o que me vinha à cabeça. E ele explicava. Saíram e entraram clientes, a quem dirigiu umas palavras rápidas, quase contrariado.
No final voltou a olhar para mim por cima dos óculos e fez uma expressão subitamente embaraçada e disse “ó menina, desculpe tomar-lhe assim o tempo!!” E eu ri-me e disse “Eu? Eu estive a aprender, o Sr. é que não trabalhou nada por minha causa!”. Peguei na mochila, perguntei “Como se chama o Sr.?” ele respondeu e espero não esquecer mais.
Despedi-me, saí. E ele lá de dentro “E não se esqueça da regra dos 3/3!” e eu, sem falar, mas orgulhosa fiz com os dedos o formato da regra. Ele soltou uma grande gargalhada lá dentro.

Fiquei consolada. Quem me visse passar pela baixa não sabia porque se ria a rapariga.

10 março 2008

GOSTO



Líamos a publicidade no metro, nariz no ar, soltando gargalhadas aqui e ali. O ZF, à nossa frente e de costas para a publicidade, gozava com as nossas caras. Depois de lermos tudo, umas dezenas de frases que começavam em “Gosto de…” a última frase era: “Gosto de ler na diagonal” e rimo-nos no desconcerto. Apeteceu-me escrever eu, deste fim-de-semana.

GOSTO DE PEGAR NO MEU SOBRINHO AO COLO, DE LHE CHAMAR LEÃOZINHO E DE LHE DIZER AO OUVIDO QUE VAMOS CUIDAR SEMPRE DELE. GOSTO DE CANTAR A MÚSICA SÓ PARA ELE. GOSTO DE COMEÇAR O FIM-DE-SEMANA COM UM BOM FILME. QUE SEJA IMPREVISÍVEL, QUE NÃO SE EXPLIQUE, QUE NOS FAÇA SALTAR E RIR LOGO-LOGO PARA ALIVIAR. GOSTO DE CONVERSAR SEM QUERER IR EMBORA E SENTIR QUE COISAS BOAS VIRÃO. GOSTO DE VIAJAR DE COMBOIO COM O RUI. GOSTO DE REFILAR POR ESTARMOS PARADOS HÁ 1 HORA E NINGUÉM EXPLICAR PORQUÊ. GOSTO DE ENTRAR NA ABSOLUTA MALUQUICE DE JÁ GOZARMOS COM TUDO, DE ENCONTRARMOS AS COISAS MAIS INCRÍVEIS PARA NOS DIVERTIRMOS PARADOS NUMA TERRA NUNCA ANTES POR NÓS VISTA: SETIL. GOSTO DE ME OUVIR DIZER MUITO ALTO ALEGRE: “EU NÃO ACREDITO QUE ESTAMOS A ANDAR PARA TRÁS!”. GOSTO DE TER QUEM ME ESPERE NAS ESTAÇÕES DE COMBOIO. CADA VEZ GOSTO MAIS QUE SEJAM A CILA E O ZÉ A FAZEREM-NO. GOSTO DE ENCONTRAR A LARA E O ALEXANDRE E DE ALMOÇARMOS NUM RESTAURANTE DE BAIRRO, NA ESPLANADA (ONDE NOS PROMETERAM A HIPÓTESE DE LEVARMOS COM CAGADA DE PÁSSARO EM CIMA). GOSTO DE VER A LARA EXPERIMENTAR O VESTIDO DE NOIVA, DE FICAR MUITO CALADA POR NÃO SABER MESMO COMO AJUDAR MAS GOSTAR DE FAZER PARTE DO MOMENTO. GOSTO DE DIZER AO ALEXANDRE QUE ESTÁ COM O CABELO MUITO GRANDE, QUANDO SEI QUE ELE VAI FICAR ENVERGONHADO. GOSTO DE LHE PERGUNTAR SE ESTÁ BEM E SABER ESPREITAR, COM ATENÇÃO, O HONESTO BRILHO NO FUNDO DO SEU OLHAR. GOSTO DE ME DESPEDIR DOS DOIS SABENDO QUE DA PRÓXIMA VEZ ME SENTIREI PERTO NA MESMA. GOSTO DE JANTAR EM CASA. GOSTO DE LER PUBLICIDADE NO METRO E DE IRMOS JÁ A ENSAIAR AS MÚSICAS. GOSTO DE SENTIR O NERVOSO. GOSTO DE ENCONTRAR A PÊ. GOSTO DE ENTRAR NO CONCERTO E NÃO QUEREMOS ESTAR NOUTRO SÍTIO QUE NÃO LÁ NO MEIO – LÁ NO MEIO DA CONFUSÃO. GOSTO QUE O CONCERTO COMECE DEVAGAR E QUE A PRIMEIRA MÚSICA A ENCHER O PAVILHÃO TENHA SIDO O “PICTURES OF YOU”. GOSTO DE ME SENTIR DANÇAR LIVRE COMO NÃO ACONTECIA HÁ TEMPO. GOSTO DE OS VER DANÇAR PERTO DE MIM. GOSTO DE VER A ALEGRIA DO RUI COM 5 COPOS DE CERVEJA DE MEIO LITRO PARA NÓS. GOSTO QUANDO BRINDAMOS. GOSTO MESMO DOS “THE CURE”. GOSTO DE CONHECER UM SÍTIO QUE JÁ ME APETECIA CONHECER “FÁBRICA BRAÇO DE PRATA” E DE CONSEGUIR PENSAR, APESAR DO ABSURDO SONO, “HEI-DE VOLTAR E GOSTAR AINDA MAIS. NOUTRO DIA, OU NOUTRA NOITE. COM MENOS GENTE, COM UM JAZZ MENOS ANSIOSO, COM MAIS VONTADE DE FICAR.” GOSTO, E GOSTO MESMO, QUE ME LEVEM A CASA QUANDO JÁ NÃO AGUENTO MAIS. GOSTO QUE ME OFEREÇAM REPETIDAMENTE CHÁ ENQUANTO ME ENFIO NO SACO-CAMA E RESPONDO QUE NÃO, QUE NÃO, QUE NÃO. GOSTO DE ACORDAR POR MIM E PASSEAR-ME ENSONADA PELA CASA, DE ME ENCOLHER NO SOFÁ ENQUANTO ME DIZEM BOM DIA. GOSTO DE TOMAR BANHO E PEDIR UMA TOALHA EMPRESTADA PORQUE ME ESQUECI DA MINHA. GOSTO DE PASSEAR NO MIRADOURO DA NOSSA SENHORA DO MONTE, DE APANHAR SOL E VENTO GELADO. GOSTO DE ME SABER INACREDITAVELMENTE DESPENTEADA E DIZER “ESTOU A FICAR AO MELHOR ESTILO DO ROBERT SMITH”. GOSTO DE TER A MARIA PARA ALMOÇAR, DE RECEBER O ABRAÇO APERTADO DELA. GOSTO DE ME ESPANTAR SEMPRE POR ELA SER SEMPRE MAIOR. GOSTO DE IR AO MIRADOURO DA GRAÇA, DE VER LISBOA TODA AO SOL, DE SENTIR QUE GOSTO TANTO DAQUELA CIDADE… QUE ME SINTO LÁ SEMPRE TÃO BEM. GOSTO DE IR VISITAR A LEONOR DE SURPRESA À CASA NOVA, EM PLENA MUDANÇA, E DE ME SENTIR BEM NO ESPAÇO. GOSTO A SENTIR QUERIDA DE MIM. GOSTO DE ESTAR COM O PEDRO, MESMO QUANDO É DE FUGIDA. GOSTO QUANDO PROMETEMOS UM FIM-DE-SEMANA JUNTOS E MARCAMOS ALI A DATA. GOSTO DE VOLTAR DE COMBOIO SOZINHA. GOSTO DE DORMIR E DE ESCREVER A QUEM ME APETECE. GOSTO DE FINS-DE-SEMANA CHEIOS ASSIM.

09 março 2008

Elogio da mochila


Quando fiz 9 anos a família mais alargada juntou-se para me oferecer uma boa mochila de campismo. Fiquei feliz da vida e todos brincaram comigo porque conseguiram provar que eu cabia lá dentro, dando para fechar a mochila. Logo nas primeiras utilizações tive a oportunidade de rebolar no chão impulsionada pelo seu peso e grandeza, mas como não era a única não me envergonhei.
A mochila fez quase todas as viagens que fiz, as da minha irmã e até já foi duas vezes ao Peru, com um tio e mais tarde com um amigo, sendo que eu nunca lá pus um pé!
Vai acusando inegáveis sinais de velhice, uns alfinetes e umas peças e linhas diferentes umas das outras. Mas a mochila vai onde eu vou, vai ao ritmo que eu vou, e eu acho que combina comigo. É que eu DETESTO malas de rodinhas!!! Elas tropeçam em todo o lado, viram-se, caem, ficam presas, não sobem os degraus de escadas, prendem uma mão e perseguem-me com aquele barulho irritante. Se elas, ao menos, tivessem motor e andassem sozinhas!! Só as uso quando me sinto muito pressionada a fazer melhor figura… mas a verdade é que sou um bocado distraída demais para me aperceber dessas pressões.

07 março 2008

Amanhã


THE CURE - Pavilhão atlântico
Porque os The Cure me lembram sempre as FÉRIAS, lembram sempre o ZF a dançar como se não houvesse amanhã, porque me lembro sempre da sensação boa de ouvir uma música deles quando menos espero. Amanhã, amanhã segurem-nos!
Eu até lhes fazia o alinhamento, mas deixo só algumas...





05 março 2008

Certeiro























Eles 2. Muito convencidos. São cirurgiões e já me irritam desde o primeiro dia que cheguei àquela urgência. Aquele tipo que acha que todas as mulheres se ficam a arrastar pelo chão que eles pisam. Aquele tipo que acha que todos os homens os invejam. Vêm sempre muito altos, muito no frete de quem não queria ser chamado, com aquele ar de "pfff Trivialidades..."
Hoje lá apareceram.
Dá-me um gozo especial fazer um comentário certeiro a piadas foleiras de pessoas convencidas (neste caso eram sobre as supostas infidelidades do marido de uma doente) que as ponha um bocado no sítio. O meu tutor adorou, repetiu bem alto e disse "Ouviste o que ela disse? É para aprenderes a não ser esperto!". E eles ficaram espantados da miúda de caracóis e sardas falar duro.

(E agora lembrei-me dos apelidos que me precedem, daquelas a que dizem que me pareço e fiquei contente. Uma pessoa não tem de levar com o lixo todo em cima e ainda sorrir contrariada.)

02 março 2008

+ FANTAS


TUYA'S WEDDING de Wang Quan'an



WILD STRAWBERRIES de Ingmar Bergman

















THE ROCKY HORROR PICTURE SHOW de Jim Sharman


Possivelmente fico por aqui neste Fantas. Fica uma sensação leve de alívio. Sei que não escolhi para ver nada do que é típico neste festival, mas é bom ver filmes assim. Sejam já velhos, sejam muito ridículos, sejam muito bonitos ou que tragam mundos mesmo diferentes. Sejam como forem, é muito bom fugir às mais habituais receitas.

Nota: e vale a pena só para conhecer o Rivoli e o Sá da Bandeira.

tem lume?


Ouvi “Desculpe, tem lume?”
Respondi muito naturalmente “Não, não tenho.”
Mas parei o passo que ia rápido. Olhei para ela, tinha o cabelo muito sujo. “Espere, acho que até posso ter.” E olhei de novo para ela… Ela continuava a procurar na pequeníssima carteira e maldizia o ter perdido o isqueiro. Era magra-magra. Procurei eu na minha carteira. E olhei para ela… parecia mais velha do que seria, acabada. Encontrei o isqueiro. Entreguei-lho na mão. E, ao mesmo tempo que me afastava, disse “Fique com ele!”. Ela ainda gritou “Aceite 1€ por ele.” Sorri-lhe e disse “Deram-mo, fique com ele!”. E olhei de novo, quase despida dizia contente a olhar para mim “Impecável…” (daquela maneira que só as pessoas do Norte sabem dizer).
Apercebi-me aí que era uma prostituta. Pensei… acabei de contribuir para acabar um pouco mais com a saúde dela, mas se estivesse ali ao frio (aquele frio de fora e de dentro) também me saberia bem um cigarro.

(e não cheguei nunca a ler o nome da farmacêutica que me tinha oferecido o isqueiro, sou mesmo mau investimento deles.)