04 agosto 2007

tudo é experiência!

"A minha secretária e a agência de viagens sabem que quando viajo (vou sempre em classe económica) peço para ficar instalado num hotel de duas ou três estrelas, limpo, com casa de banho e que disponha de comunicações fiáveis para o exterior. É verdade que ao longo da minha vida humanitária já tenho dormido em «hotéis» inacreditáveis, nomeadamente em El Fasher, capital do Darfur no Sudão, em Gabu, na Guiné-Bissau, e na palhota (em Angola chama-se cubata) em Kulbus, no Chade. Muitas vezes dormi no chão ao relento (os meus hotéis de mil estrelas) até mesmo com costelas partidas… um regalo!
Hoje sei que me posso adaptar a qualquer situação. "

Fernando Nobre, fundador da AMI Portugal.

É esta frase que espero dizer um dia, não muito longe.
É mesmo isso que conta, juntando a um trabalho em medicina muito sério, sentir que estamos preparados para viver quase tudo (“tudo” parece-me sempre demais).

E para isso tudo conta, tudo é experiência! (é o que digo baixinho para mim quando as coisas não correm bem ou quando estão a ser difíceis).
E para isso tudo conta… no outro dia surpreendi-me sinceramente de não sabermos todos como é… dormir numa tenda ou escolher dormir fora dela. Acordar encharcada da chuva ou acordar e correr num mergulho para o rio. Entrar num carro sem destino, vários dias. Quase morrer em ultrapassagens numa camioneta à beira mar (lembrar-me da minha mãe tão longe, se ela me soubesse aqui!). Dormir no chão de um comboio. Fazer as necessidades num latrina de terra 15 dias. Subir uma montanha às escuras, sem lanternas, junto às ribanceiras que só vimos no dia seguinte. Não tomar banho por muitos dias ou ter de ir com baldes lá acima ao rio junto aos porcos. Comer pão com nesquick ou outro dia engolir uma mistura gordurosa que nos prometeram que nos faria vomitar de uma vez. Viajar com amigos e ter de conciliar tudo, viajar sozinha e ter de decidir tudo sozinha. Regatear pequenos negócios (detesto!). Tirar fotografias a pormenores e não às coisas importantes (monumentos e essas coisas de postais). Chegar ao fim de uma linha de comboio e não ter como ir a lado algum, nem para trás… fomos à boleia. Alugar uma casa e ter uma grande conversa e gargalhadas com dois idiomas completamente estranhos e incompreensíveis um para o outro. Escrever num caderno que escolhemos com cuidado. Conduzir horas numa estrada “tolerância-zero” sem conta-km. Beber café solúvel num resto de água fria e sem açúcar. Estar com as pessoas que vivem mal, pobres-pobres – ficar num pequeno lugar de África, e chorar depois. Saber que vamos voltar. Acordar num pais diferente daquele onde adormecemos. Querer explicar ideias e coisas que nos são importantes numas palavras que não são a nossa língua. Ser escolhida e ver aninhar-se no meu colo, pela primeira vez e envergonhado, o miúdo que todos detestam (crianças e grandes) e saber ali, só naquele instante, que ele é o mais bonito e inteligente. Conhecer a sua enorme imaginação e mimo (só quando quer, claro), ficar com fama de ter jeito para rufias depois disso.

As coisas que não lembro agora. As coisas que lembro e não conto.
Tudo o que falta viver ainda… o mundo todo!

3 comentários:

catarina disse...

não tenho, nem de perto nem de longe, a extraordinária experiência de vida de Fernando Nobre. mas do alto do bocadinho da experiência que tenho mais do que tu (porque já saí da faculdade, e isso é um salto enorme... porque perdi a conta às vezes que entrei e saí de aviões, sozinha... porque já aterrei, sozinha e aterrada, numa terra que não era a minha, com pessoas que falavam uma língua que não era a minha, e tudo o que via até onde os olhos podiam alcançar era um manto de neve de muitos metros de altura que não era a minha... e tive que começar tudo de novo: tive que ME começar de novo) deixa-me segredar-te um consolo para os dias menos bons: eu também descobri que sou capaz de me adaptar a todas as situações. e, quando me lembro dos teus caracóis esvoaçantes, sinto uma empatia inegável: tu também serás. dá-te tempo e espaço: um dia destes dás por ti no outro lado do espelho e percebes que cresceste. e vais gostar da mudança.

my name disse...

Sabes... ainda assim acho que nunca estamos preparados para tudo, até o Fernando Nobre o diz muitas vezes... porque não doi-lhe sempre ver o que encontra em África (e áfrica doi que eu sei)... Ásia, América do Sul... e aqui também. Por isso, capazes de nos adaptar a tudo nunca somos, mas também é para isso que cá estamos.

my name disse...

corrigindo a frase "porque doi-lhe sempre".
melhor ainda é nestas "viagens" encontrar quem viajou nos lugares que não vimos, e ficar muitas horas sentado num degrau a conversar, porque a vida nunca chega para vermos e vivermos tudo nós.