30 maio 2007

Pg de Sant Joan




Reparei logo que apesar de ser uma longa avenida é bairro. Jardins com baloiços, banquinhos, árvores, relva.
Vi um grupo de cinco velhotes quase em círculo, nuns bancos que estavam ao sol (o resto da rua não). Estes bancos fixos ao chão não são feitos para conversar, ainda menos para velhotes que ouvem mal.
Sentei-me ali. Só o Casal conversava enquanto dava pão às pombas.
Ao meu lado esquerdo sentou-se um Sr. que conversou com a Sra. ao lado. Não sei se estarei a ocupar o lugar da 7ª pessoa. Estranham a minha presença mas deixam-se estar. Olham-me com curiosidade que desatenta se os olhar. Mas eu não faço essa maldade. Sou talvez a novidade do dia.
Caracóis. Casaco preto. Carteira bege. Um cachecol preso à carteira e a garrafa de água no outro bolso. Já viram que tenho a máquina porque tirei uma fotografia “às pombas”.
Ao meu lado direito estava um velhote, deve ter tido frio e foi embora. Veio outra velhota e também não tive tempo de lhe tirar uma fotografia.
O Sr. à minha esquerda acabou de se despedir e quase sem esperar a Sra. também foi.
À minha frente o Sr. aproveita a deixa (o da fotografia 2) despediu-se do casal.
Fiquei com o casal e reparo que são os únicos que continuam a ter sol!
Apontamento de um fim de tarde delicioso.
(O Sr. cospe para o chão!)

Barcelona: 7.abril.07

30.maio.07
Hoje, não sei porquê, lembrei aquele passeio, lembrei o banco junto daquele grupo de moradores do bairro e esta fotografia a preto e branco que lá tirei. Será que a esta hora estão lá? No único espaço da rua com sol por volta desta hora?
Detesto reler coisas que escrevi, mas hoje, estranhamente, reli.

Peço desculpa pelo parentesis final, mas não seria verdadeira se não o escrevesse, porque na altura escrevi mesmo! (não me lembrava) Ainda assim consigo achar-lhe graça! Quebra, sem quebrar, o momento.

lo que se queda






















Hoje soube especialmente bem.
Tranquila. E não quero acrescentar quase.
A todos os lugares onde chego só o sei fazer devagar.
Parece que cheguei.

you squeezed my hand and told me softly that I shouldn't be afraid

(andrew bird, masterfade)

26 maio 2007

Les uns et les autres... II

Só há duas ou três histórias
na vida dos seres humanos
e repetem-se tão cruelmente
como se nunca tivessem acontecido.

Willa Cather


Gregory Colbert


Comecei o post ao contrário. Antes da frase clara na tela escura:
Não me apetecia escolher. Apetecia que me dissessem "vê este, é muito bom". Mas não estava ali ninguém e não confio no gosto do senhor do balcão.
Encontrei refundido no cimo de umas escadas instáveis este. Conheci o nome mas, como é habitual, não sabia se por bem ou por mal.


SINOPSE:
Três horas de espectáculo, para rir e chorar, pequenos e grandes momentos de uma vida, decididos por uns, vividos por outros. Homens e mulheres que vivem em países diferentes mas falam uma mesma linguagem: a da música.
É por ela que se vão encontrar, amar-se. Defrontar-se e distrair-nos, de 1936 aos nossos dias.
45 anos de sangue, de lágrimas, de depressão e de esperança, com uma evidência matemática: para ir de um momento de felicidade para outro é preciso passar sempre pela casa "angústia". Em Uns e os Outros, não há bons nem maus, só dias bons e dias maus. Pessoas como você e eu, e talvez ainda mais frágeis, devido à sua sensibilidade musical.
Em Uns e os Outros, é sobretudo o espectáculo que conduz a dança. Só ele, por enquanto, tem todas as virtudes necessárias para nos fazer sonhar e acreditar num mundo melhor.

















REALIZADOR:
Claude Lelouch
e um inesquecível bailarino: Jorge Donn.


A frase a abrir o filme. Frase clara na tela escura.
É bem verdade. E mesmo sabendo-o o que sentimos parece ser sempre só nosso.
Filme de música, de vidas que se repetem, se sofrem, se riem, se dançam.
Escolho vê-la pelo lado positivo.
Se vivemos uma ou duas histórias semelhantes podemos ficar mais juntos.

Les uns et les autres... I

UM HOMEM QUE CONHECER A GUERRA,
NUNCA PODERÁ DECLARAR OUTRA.

Os que as desencadeiam, não têm ligações nem amor. É, decerto o modo de se vingarem da felicidade dos outros.
Há um ano quando parti, julgava que algures haveria uma explicação para o confronto dos que se detestam.
Hoje, tenho a certeza de que só haverá vencidos.

Uma carta de um soldado que ansiava subir a correr as escadas de encontro à mulher e ao filho.
No filme les uns et les autres.
Coisas que oiço desde que nasci.

25 maio 2007

Melodia interna


As histórias clínica modernas aludem ao sujeito numa frase rápida («Uma fêmea albina trisómica de 21 anos») que tanto se pode aplicar a uma ratazana como a um ser humano. Para recolocar o sujeito humano no centro – o ser humano que sofre, que se aflige, que luta – é necessário aprofundar a história clínica até que ela se transforme numa narrativa ou conto.

in O Homem que confundiu a mulher com um chapéu, Oliver Sacks.

Claro que eu tinha e gostar desta frase. Narrativa. Conto. Não no papel mas cá dentro.
Desta e de muitas outras deste livro que no meio de tantas disfunções neurológicas encontra sempre a pessoa, as suas aptidões, as suas potencialidades. A música que as integra, que as harmoniza; o desenho que as realiza; o jardim que as serena; a mímica que as surpreende…

Gostamos mais com uns doentes do que com outros. Gosto sempre mais de estar com eles sozinha. Alguns tenho de interromper tocando no braço: “Olhe…”, outros não tenho vontade de interromper.
Ele estava a responder às minhas perguntas.
Calava-se muito concentrado enquando eu ouvia a "máquina descompassada" como chamou ao seu coração. Um António, um António mais. Este também era velhote. Mas este queria viver bem, saudável, e fazia perguntas. Desde cedo que percebi que me respondia mas que uma ideia o assaltava repetidamente. Via no olhar dele que se fixava, momentaneamente distraído do que eu dizia. Depois disse:
- Ó Dra., desculpe interrompê-la. Mas a Dra. deve ter sido muito estudiosa. Tão nova e já é Dra. Vinte e poucos anos, não?.
Eu ri-me e disse que ainda não sou médica, que é normal ser assim. Continuámos. Passei um dia sem o ver. Voltei depois e ele fez um grande sorriso para os meus colegas e disse:
- Olha, hoje a Dra. está cá!
A meio da visita virou-se para eles mesmo contente:
- Esta Dra. já passou férias na minha terra!!
Dei uma gargalhada. O que as pessoas fixam e valorizam é sempre inesperado. Apesar de me achar muito nova (demasiado mesmo) eu era a Dra. dele e esperava-me.

24 maio 2007

porque tenho de voltar...


















doi-me ver imagens destas...
muito mais depois de s. tomé.
fico sem saber o que estou a fazer ainda aqui.
e, no entanto, perdi toda a imagem romântica do que é este trabalho.
e, ainda assim, quero.

23 maio 2007

lo que se lleva















Este post começa assim: estou farta que se diga que o “interior” das pessoas é muito maior que aquilo que mostram. Eu sei que até é muitas vezes assim e é bonito descobrir devagar, bem devagar.
Mas estou farta.
Há alguma outra forma de ser mais verdadeiro que mostrar, enfrentar ou admitir quem somos? De que vale pensarmos muito bem para dentro? De que vale sermos inteligentes para dentro? De que vale um carinho que não nos sai do corpo? De que vale uma exigência que se cala?
Apetece-me abrir janelas hoje!














Mas as janelas que gosto são as que mostram o que existe e não o que se enfeita.
Pela minha janela acho que há sempre pouco para ver, parece uma “narrativa” tão integrada que não consigo separar em partes, em partes em que alguém se possa deter e ver lentamente.
As personalidades espaçosas enfeitam, demonstram histórias de vida e convicções extraordinárias… Umas vezes são, muitas vezes não.
Por isso, gosto das janelas abertas para dizer serenamente verdade: Chateia-me; É injusto; É incrível; É mentira; Aquilo vale a pena; Não vou porque; Gosto e pronto; Isso é conversa fiada porque; Escolho assim com estas razões; Vai embora; Quero ver-te.

21 maio 2007

Nuovo Cinema Paradiso














Talvez a história já não seja original (tantos filmes o seguiram), talvez a forma de a contar também não seja já inédita, nem surpreendente.
Mas a filmagem, o jeito das personagens. O italiano falado pelo pequeno Salvatore. Aquela amizade entre o velho (o fabuloso Philippe Noiret) e o miúdo, que varia entre o silêncio dos dois a fazer funcionar o projector de cinema, o piscar de olhos cúmplice, os passeios de bicicleta com diálogos de vida ou gargalhada, a pirraça de “Alfredo, vai-te lixar!” ou a zanga adulta do “Nunca mais voltes aqui, ouviste? Não te deixarei entrar em minha casa!”. E estava lá, sempre lá, o enorme carinho entre os dois. Sinceros personagens.



E no escuro do cinema tudo acontecia: Amizade. Juventude. Cinema. Inícios de namoro. Partidas de crianças. Sexo. Negócios. Cuspidelas. Gritos. Corridas. Choro. Duros amores.



Antes de partir, Alberto deixou um presente a Salvatore. Uma fita. Um filme.
Não vou revelar. Para mim do mais bonito que já se viu em cinema.

E aquela música.


Ficha Técnica
Título Original: Nuovo Cinema Paradiso
Ano de Lançamento (Itália): 1988
Realização: Giuseppe Tornatore
Música: Andrea Morricone e Ennio Morricone
Direcção de Fotografia: Blasco Giurato
prémios aqui

16 maio 2007

Sabem viver!














Sabem não fazer nada dando a ideia de que fazem muito.
Aparente competência.
Sabem nunca estar quando são precisos e estar sempre quando são notados.
Sabem guiar uma conversa para onde lhes interessa, uma discussão para a área que dominam, esquivando-se elegantemente ao que lhes foi perguntado.
Sabem ser simpáticos, bajuladores, interessantes. Sabem dar pancadinhas nas costas, dizer os mais mentirosos elogios.
Sabem vestir-se, comportar-se, movimentar-se entre os demais.
Sabem dizer meia dúzia de banalidades sobre qualquer assunto com o ar mais inteligente e culto deste mundo.
Sabem informar-se, sabem sempre o que é mais perguntado, o que deve ser respondido e como deve construída a resposta. Sabem o que o professor detesta (ainda que seja a técnica mais que aprovada para a questão. Se o professor não gosta não evitam nomeá-la, dizem mal, muito mal dela!). Não perdem tempo a estudar tudo, poupam-se.
Sabem dar uma airosa facadinha em quem se cruza à frente.
Sabem falar da sua vida. Sabem encher a descrição. Sabem competir no “sou mais bem sucedido que tu”. E falam muito sobre si.
Falam-falam-falam. Seduzem.
Gostam de cinema, de teatro, de pintura e de literatura.

Sabem viver.
Sei-os rotos-rotos.
Tão rotos que não tenho a menor paciência, a menor vontade de os confrontar. E não confronto.
Sei-os rotos.
Ai mas dá-me uma inveja, às vezes!!!! Sincera inveja. Sabem viver!

15 maio 2007

Leve


.
Confesso que já tinha saudades de chegar a casa, despir-me e
cair imensa areia no chão!
.
cantei esta

14 maio 2007

A QUEDA DO MITO!!

















Apetece-me cantar (e não ouvir) "Hoje eu tô feliz. Matei o Presidente."
Claro que não matei.
Eu que até sou pela objecção de consciência.
Eu que até tenho zero capacidade de estratégia em orais.
Mas não ser chacinada já foi bom!

Eu inventei duas frases. Ele ralhou que não era nada daquilo. Eu disse espontânea: "vou dizer o que eu sei então!"... ia jurar que naquele preciso momento vi um esgar de sorriso na boqueira esquerda dele.
E eu disse. E o tufão acalmou. Puxa!



(a música de que falo é do Gabriel o pensador)

Trabalho de casa



Inicio trabalho de casa. Chama-se: Andrew Bird.
Eles insistiram com jeitinho. Apanharam-me no meio de outra decisão e eu disse que sim. Até o dinheiro adiantaram até nova mesada.
O mínimo que posso fazer é fazer o trabalho de casa.

30 de Maio, TAGV.

Oxalá

Hoje o meu anjo da guarda telefonou.
Tinha-lhe dito que não lhe ligava, não hoje, amanhã. Mas ela ligou.
Na sua alegria habitual desta vez contava-me feliz da sua vida.
Só mais tarde percebi.
Com a sua história, com os seus pormenores em tom de segredo, com aquela maresia toda...
... disse cá dentro o que faço mal e por onde ir.


A ti, que me deste a oportunidade de pôr aqui este video.
A ti, que por agora ainda estou aqui. (só) até amanhã.

Destino

Águas paradas
Claro luar
um quase nada
muito melhor

Nesta viagem que comecei
Grave miragem a mim chamei

Se foi meu destino
contar com uma historia tão breve
e longo o caminho
mas a alma quer

Se foi meu destino
Cantar com uma voz que me chora
e longo o caminho
Mas a alma adora


Madredeus também.

10 maio 2007

manhã-noite-tarde


















Manhã, a propósito do fazer bem e do fazer mal, disse-me numa voz grossa:
- INÊS, "EM ROMA SÊ ROMANO".
Eu respondi séria e baixinho:
- não tenho jeito para isso...


Noite, eu disse divertida:
- Eu juro que tento ser bem comportada!!!
E ele respondeu a rir-se enquanto fazia girar a minha absoluta falta de jeito para me deixar guiar a dançar:
- Tu és tudo menos bem comportada!


Tarde, dia seguinte, hoje.
Penso: tenho os mecanismos de sobrevivência deficientes.

08 maio 2007

Chico, sempre

Gosto do Chico meigo.
Gosto do Chico triste.
Gosto do Chico malandro.
Gosto do Chico naquela geração... um pouco de inveja de não ter nascido ali.


Pelos dias em que gosto de ouvir as histórias todas que me querem contar.
Pelos dias em que fico silêncio.
Pelos dias em que gosto de malandragem.
Pelos dias que todos saem à rua (hoje)... e eu fico zangada por sentir que aquilo tudo não é paixão, não.
A vida é p'ra valer.

músicas pela mesma ordem. aconselho ouvir.

meigo
triste
malandro
geração

(clicar em cima da palavra)

05 maio 2007

a quem virá















Sabes… eu não faço ideia de quem vais tu ser.
E nessa imensidão toda a parte de saber se és rapaz ou rapariga é uma parte bem pequena e que se descobre depressa.
Todos me perguntam por ti.
Não sei quem serás mas queria dizer-te algumas coisas.

A primeira é que dificilmente terias maior sorte com a barriga onde estás. A tua mãe é muito bonita, em tudo, e eu sei que tu vais gostar de a ver quando nasceres. O teu pai é muito meigo e imagino-o a olhar para ti, perdido do tempo, feliz como ele sabe ser.

Não te quero oferecer coisas, terás muitas prendas (ainda nem nasceste e já tanta gente gosta de ti!). Mas prometo-te o meu tempo. Esse tempo que os adultos têm a mania irritante de dizer que nunca chega, claro que chega. O meu tempo para brincarmos ao que tu quiseres, para te ajudar a descobrir que os brinquedos têm infinitas possibilidades, que é bom encontrá-las (mesmo sem pilhas, partidos ou sem jeito nenhum). O meu tempo para brincarmos com barro (sabes, as probabilidades de teres mais jeito que eu são muitas, mas divertimo-nos na mesma), para treparmos às árvores (estou um pouco destreinada mas não perdi o gosto), para te adormecer, para molhar os pés em diferentes águas, para te deixar só com os teus amigos, para saltarmos em cima de colchões e nos escondermos de quem chegar a casa, abafando os risos. Tempo para te ouvir contar das tuas coisas. O meu tempo para te deixar ser quem és.

Também posso avisar-te que te vais zangar comigo. Não te vou deixar portar mal… porque há a diferença entre fazer disparates (que sabem mesmo bem!) e agir mal. Não te preocupes, também te explico que isso aprende-se devagar, pela vida fora.

Preferia que não me chamasses tia. Sei que não é por ser tia que serei mais importante para ti, por isso chama-me pelo meu nome. Também não tentarei ser o teu adulto preferido (os adultos têm esses caprichos). Vou gostar de sentir que vens ter comigo só porque te apetece.

Queria dizer-te que te espero serena, atenta.

Feira do Livro












Há dias em que dá enorme gosto ir às Feiras e não ter nem um tostão para gastar. Não existe O problema de ter de escolher.
Não foi assim no outro dia, foi antes uma também conhecida sensação (confirmação) de que leio muito pouco, que tinha obrigação de ler mais. Zangada. TANTO por ler.
Hoje só vi uma banca. Fiquei baralhada. Fixei rapidamente 3. E não quis ver mais. Fugi dela. Tentei entrar no grande recinto e meia tonta, quem me via notava, certamente, a hesitação. Passos para frente, em volta, para trás.
Saí e levantei dinheiro. Tentei resistir. Quase duas horas de ausência depois, não resisti mais.
Brinquei com a senhora dizendo, “Tem aqui uma banca que é uma maldade! Apetece dizer: Carregar tudo para minha casa!” Dei-lhe os parabéns e ela concordou com as minhas escolhas, contente.
Agora acordo comigo que tenho de os ler (e sei até quando).




- As ondas, de Virginia Woolf.
- A espuma dos dias, de Boris Vian.
- Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de Clarice Lispector.



imagem de Yves Klein, como o pedro me apresentou.

01 maio 2007

Contacto imediato



Sempre que oiço esta voz penso: casava-me! :)
Mal ele sabe que fez uma letra para mim.

Religião

Um post sobre religião… também parei para pensar se me atreveria.
Será.
Tentará explicar.











Ensonada. Sempre me custou acordar cedo. Sem demasiado esforço, uma forma de entender aqueles dias lá.
Ensonada seguia o caminho de pedras até à igreja e lá esperava-me ele, sorria. Sentava-me naquele colo e ele explicava-me as coisas ao ouvido, sempre meigo. Da missa e sem ser da missa. Entrecortado com alguns olhares de “já te avisei” do pai, por estar eu a distrair o avô, talvez.

Ele nunca leu nada sobre religião. Ele e ela (a avó) não estudavam, não procuravam saber muito.
E nunca conheci outras pessoas tão coerentes
.











Eu seguia-o a muitos passos (muito mais que os dele, que eram grandes) pelo mesmo caminho de pedras. Sabia-nos com pressa. Íamos tocar o sino os dois e eu gostava tanto! Escada estreita e comprida, encaracolada. Subindo depressa ficava tonta. Lá em cima ele prendia os ferros aos sinos. Eu fechava os ouvidos com as mãos e ria-me! Se lá estava também a minha irmã gritávamos, gritávamos muito porque ninguém nos podia ouvir. E riamo-nos!

Ele nunca procurou muitas explicações mas saiu da aldeia o suficiente para saber das coisas feias, porcas e injustas. Um dia aliviado, depois do ataque do lobo, de certeza que ficou feliz por continuar vivo, de certeza que rezou e agradeceu. Sincero. Sozinho.











Sei-me muito injusta…
Nem sei porque me sinto tão mal às vezes. Mas cansa-me a conversa do Deus que existe para nos fazer felizes, aquela espécie de Deus que vive de nos dar consolações. Sempre a história da relação pessoal, do conversar, do explicar.
Nunca soube rezar e até já tentei a sério!
Cansa-me essa imagem sempre sossegada. Sempre ali. Compreensiva sempre. Atenta sempre.
Fico sempre-sempre a pensar, com tanto lugar importante para estar no mundo e para se preocupar havia de estar aqui porquê???
Aqui está tudo bem.
E chateiam-me as músicas. As mesmas músicas. Constantemente. Para todas as horas. Quando se está só a cantar há milhões de músicas outras. E os ciclos obrigatórios. Acordar. Refeição. Refeição. Deitar. Gastam-se as palavras, perco o sentido todo.
Desculpem mas não consigo entender a religião tranquilizadora dos ricos… se lessem, se ouvissem algum “tilt” se devia fazer.
E o “tilt” falha em mim também, quando tranquilizo.
Acredita e serás feliz. É mentira!!!! E não está escrito em lado nenhum que isso acontece a tempo de o sabermos.
Eu sou optimista, mas também já saí da minha aldeia.











Outra pessoa. Oferecia-nos cigarros (e ria-se porque sabia que recusávamos também por pirraça), trazia jeropiga ou uma galinha viva (que ninguém teve coragem de matar). Podia adormecer às vezes. Gostava de mergulhar bem cedo quando nós ainda nos arrepiávamos de preguiça.
Mas na hora de discutir, na hora de crescer ele é implacável. Sempre connosco, mostra-nos no seu mais que simples exemplo que não andamos aqui para sermos felizes e ignorantes. Tudo o que ali líamos nos comprometia e nos exigia. E os textos podiam ser de muitos outros lados. Treta ler por ler. Treta sentir por sentir. É preciso mudar as coisas e no entanto repetiu-nos milhares de vezes “eu não mudo nada nem ninguém” e sabíamos que só nos mudamos a nós e quem quiser vê. Quem quiser questiona também.
Uma vez gritou-me “quero ver se quando fores médica vais cobrar 1000 contos por uma operação aos olhos… aos olhos!!!”.
Gritou-me. Ecoa.

Ele estudou muito. Procurou muito. Procura sempre. Acompanha. Quer-nos melhores. Consequentes.
Sem amarguras, mas com inteligência.

E no entanto sei-me muito injustiça.
E no entanto sei bem que sou eu que não percebo nada.

Cry me a river

Tive um professor enorme que um dia subiu para cima da secretária dele, que ficava em cima do estrado. Abria os braços, também eles enormes, e dizia-nos com o seu ar de gozo que havia muitas formas de olhar para as coisas, que era mesmo importante que fossemos capazes de o fazer... e que dali nós lhe parecíamos bem diferentes.

(eu não consegui evitar dizer que no clube dos poetas mortos depois do professor todos os alunos puderam experimentar a panorâmica também, mas ele fez de conta que não me ouviu :)

Estive a divertir-me a ouvir diferentes formas da mesma letra.







Sem expectativa

Já por aqui se tinha ouvido que estava farta de cinema americano.
Sem ser o melhor filme francês que já vi, nem a produção nacional que mais gostei, souberam então bem estes dois respiros.





Ne le dis à personne,
de Guillaume Canet


Dot.com,
de Luís Galvão Teles



Deixo aqui em nota que refilo porque nunca existe, na net, a imagem do filme que eu queria postar. Nunca!