26 julho 2010

Boquiaberta


Tentaram convencer-me a fazer alguns turnos na privada, trabalho simples, apenas quando desse jeito, "só quando alguém estiver doente" ou "um de nós estiver de férias". Eu disse algumas vezes que não queria, sem mais. Mudámos de assunto.
Um pouco depois ele riu-se e disse... "Só acho piada vocês terem tentado convencê-la a ela, logo a ela." Pelo ar surpreendido dos outros ele continuou "É que ela é provavelmente a última pessoa que ia aceitar isso. Preza muito a qualidade de vida. Acho até que se alguém quisesse fazer as horas extraordinárias que ela faz aqui no hospital porque é obrigada, ela as daria feliz. Todas."

Sorri e concordei.
Não disse mais nada. Pouco tínhamos falado sobre essas coisas.
Falo pouco sobre mim e sobre as minhas opiniões. Acho que cada vez menos. Gosto de ser alegre companhia, rir e fazer rir, conversar sobre coisas e ideias, mas não sobre mim ou o que defendo... Chateiam-me as pessoas que defendem muito as suas opiniões, que falam muito delas, e sei que tenho tendência para ser demasiado afirmativa (chata, num tom que facilmente soa a crítica).
Fiquei a pensar... que ainda assim as pessoas percebem mais de mim do que eu poderia imaginar. Como aconteceu na oral do exame deste ano, descreveram-me e à forma como vivo a medicina de uma forma que eu nunca ali disse, mas sinto. Boquiaberta e comovida quase não respondi.


(pequena nota para o título... gosto desta palavra!)

Fotografia de Anthony Asael

2 comentários:

Anónimo disse...

no SER é que está o segredo!
quem for atento percebe!


songa

calamity jane disse...

Vim aqui parar por que procurava a tradução de uma frase de Boris Vian. E ando para aqui há quase uma hora, a ler post atrás de post. Já nem terminei o texto que estava a escrever. Fica para outro dia! Gostei de te conhecer :-)