01 abril 2007

RECONHECIMENTO À LOUCURA














Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descermos abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?

E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?

Tu só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam necessárias para olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.

José Almada Negreiros

Tenho dias de absoluto desatino. Surge sem eu querer, começo a notar no tom de voz, na irritação que coisas-menos me provocam, na inquietude no corpo, na impaciência de uma espera que nunca diz quando vai acabar.
Tenho esses dias em que não suporto que venham com impossibilidades, com pequenos problemas em sonhos maiores, muito maiores que eles. (tenho vontade de dizer... complicas porque não tens coragem, mas não digo porque isso é ser má.)
Tenho essas horas em que se não vão comigo, cerro os dentes e vou sozinha. Vou sozinha. E sei cá dentro que não queria ir sozinha. Sei cá dentro que não queria ficar aqui, que não consigo ficar aqui e a vida é muito maior, absolutamente bela lá fora. E fujo para fora de mim. Escolho o meu gorro, levo o meu caderno, levo a minha máquina fotográfica (que só uso se me apetecer mesmo), levo as minhas botas e o meu mapa... que só sigo quando quero.
Olhos abertos, foi o que me ensinaram.
Nestes dias não gosto de negociar. Não gosto de convencer. Não gosto de seduzir.
Atrevidamente. É a palavra que mais gosto neste poema.
Descer abismos. Trepar abismos. Onde chegarei? "Pelo sonho não vamos lá" mas falo-ei enquanto cerrar os dentes e avançar.


...
Há filmes, há textos, que me lembram quem sou.
Billy Elliot

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