08 junho 2007

Nascer-do-Sol. Pôr-do-Sol.

Os meus dois doentes têm o mesmo nome.
- Sr. C. como está hoje?
E o outro responde sempre também. Um porque é velhinho e meio surdo e o outro porque tem períodos de desorientação.

Hoje. Especialista, o meu tutor: de ponte. Interna de medicina interna mais velha: de ponte. Interna do ano comum (um ano à minha frente): de ponte.
Acordei, estranhamente, muito acordada. Estávamos entregues à nódoa de um interno. A ignorância abunda, mas essa eu até compreendo, mas a absoluta falta de interesse ou vontade de aprender é insuportável.
Acordei, estranhamente, muito acordada.

Cheguei ao hospital.
O Sr. C. da cama junto à janela estava de olhos fechados, quieto, encharcado em sangue. Roupa e chão. E boca.
- Sr. C.! Sr. C.!
Abriu os olhos e falou. Aliviei.
Procurei saber o que se passava. Ninguém sabia ao certo. Remeteram-me ao processo: incompleto. O interno disse que não era um doente dele (faz parte dos 6 da nossa equipa, mas ele só quer saber dos que são mesmo dele). Escondeu-se, como costume, num qualquer assunto administrativo.
A enfermeira fazia perguntas a mim. O doente estava assustado.
Fosse algo simples ou complicado (hemorragia na gengiva ou hemorragia das varizes esofágicas) aquilo tinha de parar! Engolir sangue naquela quantidade dá encefalopatia.
Telefonei. Falei. Pedi.
Felizmente era mesmo da gengiva e depois de uma viagem à estomatologia e alguns pontos ficou bem.

O Sr. C. mais velhinho (diz sempre: “tenho mais de 100 anos”, mas não tem), a quem eu me refiro carinhosamente por Tutankamon (que agora mesmo descobri que significa "Graciosos da vida é Amon", que além do facto de ser magríssimo combina ainda melhor com a pessoa), estava bem. Sempre simpático, sincero. Levei-o para o corredor na sua cadeira de rodas “Aqui ao menos vê gente!” e ele riu-se concordando.
Estava farta de tentar ver resultados de análises. Queria saber a evolução dele. Mas resmunguei para o computador: “Hoje está tudo de ponte, até o laboratório!”. Estava para desistir. Ir embora. Passava da hora… “Vou lá ver mais uma vez”, sabia que o interno não se ia dar ao trabalho.
Potássio 7,5!!!
- N !!! (outro interno) o meu doente da cama x está com potássio 7,5.
Largou tudo.
- Isso tem de se tratar já, ele morre em poucas horas assim! (por enfarte do miocárdio)
E procurámos os dois quanto soro e em que percentagem administrar. Quanta insulina. Pedimos ajuda. Espero que fique bem.

Sem querer, muitas vezes... dou por mim a associar os meus movimentos a uma qualquer música. Hoje foi esta A Comédia de Deus, de Rodrigo Leão - cinema (28 segundos, cuidado que ela repete se não a pararem)


- Hoje tive, pela primeira vez, medo, medo mesmo.
- Hoje fiquei zangada porque detesto quando confirmo que não posso confiar naquela pessoa.
- Hoje fiquei triste, porque é demasiado estreita a linha entre o fazer bem e o fazer mal. O estar atenta e o descansar. Hoje fiquei triste porque é isso que me espera na vida toda.

Depois deste dia... outro ritmo quero: Um história Simples, Rodrigo Leão - Cinema.


Esta fotografia até a mim me lembra de mim.
Mas é do filme, "eu, tu e os que conhecemos".

3 comentários:

mjp disse...

dia agitado... a sorte é q o teu interno sabe mto... lol
a dra esteve mto bem :)

Luís disse...

isso da hipercaliemia fez-me lembrar uma oral de nefro...uiii lol
o que vale é que, pelo que me contaste, não fizeram nada do que aprendemos nessa distinta cadeira...lol

Anónimo disse...

continuo a olhar para a fotografia e continuo a acreditar que és tu...