02 março 2008

tem lume?


Ouvi “Desculpe, tem lume?”
Respondi muito naturalmente “Não, não tenho.”
Mas parei o passo que ia rápido. Olhei para ela, tinha o cabelo muito sujo. “Espere, acho que até posso ter.” E olhei de novo para ela… Ela continuava a procurar na pequeníssima carteira e maldizia o ter perdido o isqueiro. Era magra-magra. Procurei eu na minha carteira. E olhei para ela… parecia mais velha do que seria, acabada. Encontrei o isqueiro. Entreguei-lho na mão. E, ao mesmo tempo que me afastava, disse “Fique com ele!”. Ela ainda gritou “Aceite 1€ por ele.” Sorri-lhe e disse “Deram-mo, fique com ele!”. E olhei de novo, quase despida dizia contente a olhar para mim “Impecável…” (daquela maneira que só as pessoas do Norte sabem dizer).
Apercebi-me aí que era uma prostituta. Pensei… acabei de contribuir para acabar um pouco mais com a saúde dela, mas se estivesse ali ao frio (aquele frio de fora e de dentro) também me saberia bem um cigarro.

(e não cheguei nunca a ler o nome da farmacêutica que me tinha oferecido o isqueiro, sou mesmo mau investimento deles.)

2 comentários:

Rosa Negra disse...

Foi um gesto bonito :)

Anónimo disse...

a noção de "acabar" é demasiado complicada quando falamos de vidas que existem suspensas entre o esquecimento e a derrota. às vezes, as pequenas ternuras refazem espaços onde se consegue existir.
és uma pessoa bonita.